terça-feira, 11 de dezembro de 2018

Indicadores sociais acentuam desafios do futuro governo: Editorial | Valor Econômico

O IBGE divulgou uma série de indicadores que põe em evidência a gravidade dos problemas sociais que o futuro presidente Jair Bolsonaro vai encontrar quando assumir o governo, daqui a menos de 20 dias. Na Síntese de Indicadores Sociais (SIS) o que sobressai é a desigualdade perversa da renda, educação, habitação e mercado de trabalho, problemas que devem ser enfrentados com soluções complexas e abrangentes.

O SIS mostrou que os dois anos de recessão de 2015 e 2016 e a fraca saída da crise em 2017 tiveram impacto bastante negativo na vida da população. O número de pobres, assim considerados os que têm menos de US$ 5,50 para viver por dia, conforme classificação do Banco Mundial, ou R$ 406 por mês, aumentou em 1,97 milhão de pessoas em 2017, ou 3,7%, passando de 52,8 milhões para 54,8 milhões. O grupo representa 26,5% da população e está concentrado no Nordeste, onde vivem 44,8% dos pobres do país, somando 25,5 milhões de pessoas. Já o número de pessoas na extrema pobreza, com renda inferior a US$ 1,90 por dia, ou R$ 140 por mês, aumentou mais, 12,6%, passando de 13,5 milhões em 2016 para 15,2 milhões de pessoas em 2017, de 6,6% para 7,4% da população do país.

Algumas peculiaridades tornam esse quadro mais severo. O percentual de crianças e adolescentes até 14 anos pobres passou de 42,9% para 43,5%; e a quantidade na pobreza extrema saltou 10% para 12,5%, que corresponde a 470 mil crianças a mais, totalizando 5,253 milhões. Vivendo com fome, problemas de saúde e de moradia, muito provavelmente a criança terá que começar a trabalhar cedo para complementar a renda da família e dificilmente poderá se dedicar aos estudos de modo regular.

O levantamento do IBGE também cobre educação. Em 2017, o percentual de crianças de quatro a cinco anos na escola era de 91,7%, ante meta de 100% para 2016. Das crianças até cinco anos na creche ou escola, 74,1% estavam na rede pública. Os dados mostraram, porém, a maior chance dos que estudaram na rede privada de progredir no estudo. Dos estudantes que fizeram o médio na rede privada, 79,2% chegaram ao superior, percentual duas vezes maior do que os 35,9% que estudaram na rede pública, mesmo com a ajuda do sistema de cotas.

O SIS mostrou que 27 milhões de pessoas, ou 13% da população, viviam em moradias inadequadas em 2017. Entre os problemas enfrentados está o adensamento excessivo, quando há mais de três moradores por dormitório, que atingiu 12,2 milhões de pessoas, ou 5,9% da população. O peso excessivo do aluguel, superior a 30% do rendimento da família, afetava 10,1 milhões de pessoas ou 4,9% da população. A falta de saneamento básico é outro problema sério, com 2,6% da população vivendo em domicílios sem banheiro de uso exclusivo, e 35,9% sem acesso ao serviço de esgotamento sanitário por rede coletora ou pluvial, 10% sem coleta direta ou indireta de lixo, e 15,1% sem acesso a rede geral de água.

O mercado de trabalho fraco não ajudou a melhorar o quadro. A taxa de desemprego, que era de 6,9% em 2014, subiu para 12,5% em 2017, o que equivale a um aumento de 6,2 milhões de pessoas desocupadas no período, problema que penalizou todas as faixas etárias e regiões. O trabalho informal aumentou em 1,2 milhão de pessoas, alcançando 37,3 milhões, o que representava 40,8% da população ocupada, ou dois em cada cinco trabalhadores do país.

A desigualdade aumentou. Em 2017, os 10% das pessoas com os maiores rendimentos (de todas as fontes) acumulavam 43,1% da massa total de renda, enquanto os 40% com os menores rendimentos detinham apenas 12,3%. O estrato do topo concentrava 3,51 vezes mais rendimentos do que a base. O Distrito Federal foi a unidade da federação mais desigual, onde os 10% mais ricos ganhavam 5,57 vezes mais do que os 40% mais pobres. O IBGE ainda revisou o Índice de Gini e apurou um leve aumento da desigualdade entre 2016 e 2017, de 0,546 para 0,549, em vez da estabilidade antes divulgada.

O IBGE calculou que seria necessário investir R$ 10,2 bilhões por mês na economia para erradicar a pobreza, ou R$ 122,4 bilhões por ano. Mas esse é apenas um exercício matemático. Na prática, a solução é complexa e deve envolver ações em várias dimensões, das políticas públicas à melhoria do saneamento básico e educação, a medidas de estímulo à economia e à recuperação do mercado de trabalho. A crise mostrou que as políticas sociais funcionam e que têm limites. O ajuste fiscal tem de preservá-las.

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