terça-feira, 25 de dezembro de 2018

Míriam Leitão: Crônica de Natal nada econômica

- O Globo

Esta não é uma coluna econômica porque ela está ainda imbuída de espírito natalino, torcendo para que não haja dissabores no almoço de Natal

Foi um ano daqueles. Daqueles, quais? Não há equivalentes à vista. A sociedade se dividiu como em nenhuma outra vez. A briga continua e, em muitos casos, invadiu a ceia de Natal. Muitos não souberam onde pôr as desavenças e rancores numa noite que era para ser “feliz”. Estamos como nunca precisando de alguma trégua. De minha parte, neste espaço, quero deixar de lado, neste dia 25, os assuntos econômicos e políticos e falar de sentimentos.

Acho que o caminho para encontrarmos alguma paz nestes dias está em pensar no permanente, em vez de considerar que as fraturas de 2018 jamais cicatrizarão. O permanente são os carinhos, os gestos de amizade, as alegrias vividas que ataram os laços que nos unem aos amigos e familiares. Se, ao lado das festas de fim de ano, estivermos pensando apenas no conflito em torno das urnas estaremos eternizando a divisão entre vencedores e vencidos.

Difícil o silêncio sobre temas polêmicos quando tudo parece controverso. Até um assunto inocente pode ser estopim. Imagine que alguém fale, em qualquer reunião de família, por estes dias, que o clima parece louco. Isso é só uma constatação fática, mas pode ser o começo da discussão sobre afinal qual vai ser o rumo das políticas ambientais. Há quem, no novo governo, não acredite em mudança climática e no Acordo de Paris.

Portanto, a chuva repentina ou o calor inusitado, como se vê, podem ser combustível para reacender o fogo que não quer apagar das discussões apaixonadas entre o bem e o mal, cada um achando que o seu lado é o primeiro, e, o segundo, o melhor adjetivo para definir os adversários. Se surgir algo assim tão incandescente quanto uma conversa sobre o clima, que alguém lembre rapidamente das tragédias que não temos, como terremotos, vulcões e esse terrível tsunami da Indonésia, que chegou sorrateiro e inexplicável destruindo centenas de vidas. Que Natal terrível estão tendo os indonésios.

Se alguém falar que precisamos investir em educação, isso também poderá gerar polêmica. Em épocas normais, o tema seria gerador de consensos. É incontroverso o papel da educação no desenvolvimento de qualquer povo. Mas, desta vez, alguém poderá perguntar: “escola com partido ou sem partido?”. Isso será suficiente para azedar completamente a reunião, como podem imaginar. Tudo virou terreno minado.

Que ninguém fale de aposentadoria. Esse é assunto no qual estamos atolados há anos, e é uma divisão muito anterior à atual. Alguns dizem que o déficit nem existe, outros que ele nos engolirá. Neste caso, contudo, há adversários da reforma entre os vencedores eleitorais e isso é um problema que eles precisam resolver internamente. Não falarei como, porque esta não é uma coluna de economia. Ela está ainda imbuída de espírito natalino, torcendo para que não haja qualquer dissabor no tradicional almoço de 25 de dezembro.

Falei parágrafos acima que devíamos buscar o permanente. Mas o que é ele? O momento atual parece tão premente e agigantado que nubla os olhos, apaga os antecedentes e descrê do porvir. Temos brigado no Brasil como se não houvesse ontem nem amanhã. Só o hoje. Tórrido, intolerante, triste. Por que estamos assim e até quando suportaremos a distância entre nós?

Estamos assim porque aos vencedores não bastou a vitória, eles querem a unanimidade e, aos vencidos, não tem sido possível superar a amargura da derrota. Estamos numa armadilha, mas temos que reencontrar os fios e com eles tecer outro momento das velhas relações.

Mães, pais e filhos, irmãos e primos, amigos do colégio brigaram em público. Ficou visível no Facebook. O Twitter também entrou no conflito, mas é briga de rua, no qual vaca desconhece bezerro e ninguém é de ninguém. No Instagram as pessoas estão vivendo “stories”. No WhatsApp muita gente saiu dos grupos, batendo a porta. As redes virtuais apenas contaram que, na vida real, a linha que separa as pessoas rasgou o álbum de família e as fotos dos amigos. Cada casa, cada grupo, terá que reencontrar seu centro.

Meus votos são para que nos apartemos do que nos dividiu e procuremos o sentido mais profundo daquilo que um dia nos ligou aos que amamos. Uma trégua será boa como um mergulho no mar, o aconchego de um abraço na tristeza, o brinde nas alegrias. Feliz Natal.

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