sábado, 8 de dezembro de 2018

Míriam Leitão: Ministério de alta voltagem

- O Globo

Almirante enfrentará mar agitado no Ministério de Minas e Energia, com urgências na Eletrobras, no mercado de gás natural e em Itaipu

É enorme a lista de urgências que chegará à mesa do novo ministro das Minas e Energia. A Amazonas Distribuidora, subsidiária da Eletrobras, pode ser liquidada e não se sabe quem forneceria energia para a região. A Eletrobras não tem dinheiro em caixa para quitar uma dívida de US$ 1 bilhão que vencerá em pouco tempo e um calote externo seria devastador para a estatal. O contrato de fornecimento de gás com a Bolívia vence em 2019, e a indústria teme a redução da oferta e o aumento de preços. Antes do fim do mandato terá que ser feita uma negociação com o Paraguai sobre Itaipu, cujo contrato termina em 2023.

Em entrevista à “Folha de S. Paulo” o almirante Bento Costa Lima Leite, futuro ministro das Minas e Energia, disse que a primeira prioridade será a governança do ministério. “Ele é enorme, cada vez que olho o organograma fico mais impressionado.” Pois é. Só da área de energia a lista do que fazer é gigante. O desafio será devolver a estabilidade do setor que enfrenta ainda os efeitos de uma intervenção desastrada no governo Dilma, que deixou uma série de passivos não totalmente resolvidos.

Na Justiça, as geradoras mantêm liminares para não pagar dívidas bilionárias que contraíram no mercado livre. Alegam que houve erro gerencial no despacho das hidrelétricas e querem dividir a conta com os consumidores.

Hoje todo mundo tem uma queixa, e o consumidor enfrentou uma disparada de preços impressionante por causa dos problemas criados pela MP 579. As empresas de energia sempre foram vistas como ativos de proteção para os portfólios da bolsa, mas desde 2012 isso mudou. Ainda hoje, elas não se recuperaram dos efeitos da MP, e o setor acumula passivos e brigas judiciais bilionárias. A Eletrobras superou o pior momento, mas é real o risco de calote no ano que vem. O presidente eleito Jair Bolsonaro não concorda com a venda da Eletrobras. A empresa melhorou nos últimos dois anos, mas ainda tem sérios desequilíbrios. Custará caro não privatizar.

Bento Costa Lima Leite, atual diretor-geral de Desenvolvimento Nuclear e Tecnológico da Marinha, defende a energia nuclear. Um assunto explosivo é Angra 3. A obra já custou R$ 15 bilhões e precisaria de mais R$ 10 bi a R$ 15 bi para ser finalizada. A preocupação dos maiores consumidores é de que essa energia fique cara demais, explica o presidente da Abrace (Associação Brasileira dos Grande Consumidores de Energia), Edvaldo Santana. O brasileiro já vem sofrendo com o aumento das contas de luz. Para se ter uma ideia, de janeiro a outubro deste ano, a energia elétrica residencial subiu 15% até outubro.

— Com o custo que se quer repassar para o consumidor, não vale a pena terminar. A tarifa de Angra 3 sairia de R$ 243 para R$ 500. Vamos pagar duas usinas para ter apenas uma — disse Edvaldo.

Até quem defende a conclusão da obra, enxerga dificuldades, como o presidente da consultoria Thymus Energia, João Carlos Mello.

— O governo deveria dar baixa contábil, assimilar o prejuízo e montar outro projeto. Poderia colocar a iniciativa privada, mas estamos falando de energia nuclear. O setor privado poderia pelo menos conduzir a obra, para depois a usina ser operada pela Eletrobras — afirmou Mello.

Outro ponto de preocupação, para o médio prazo, é o vencimento do contrato com o Paraguai para a usina de Itaipu, em 2023, um ano depois do fim deste mandato. O Paraguai é obrigado a vender para o Brasil 100% da sua energia não consumida, para arcar com empréstimos pagos pelo governo brasileiro na construção da usina. Esse fornecimento é crucial para a região Sudeste, mas os paraguaios estarão livres para vender para quem quiserem. O assunto terá que ser negociado com antecedência, portanto, pelo governo Bolsonaro.

O país não poderá crescer se não superar os gargalos do setor. Ele poderá ser tanto uma alavanca quanto um inibidor para o crescimento. Por não ser da área, o nome de Bento Costa Lima Leite é uma forma de se livrar dos vícios da longa influência do PMDB sobre a pasta e enfrentar os lobbies da área. Por outro lado, o ministro terá pouco tempo para aprender as muitas complexidades antes de decidir sobre as urgências. O almirante terá que pôr logo seu navio nesse mar de problemas que virou o setor elétrico brasileiro.

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