quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Ribamar Oliveira: É impossível não cumprir o teto de gastos

- Valor Econômico

Difícil é colocar as despesas da União dentro do limite

Disseminou-se o entendimento de que a União vai estourar o teto de gastos já em 2020 ou 2021 e que, por conta disso, as medidas de ajuste previstas na Emenda Constitucional 95, que criou os limites para as despesas, serão acionadas. A percepção, no entanto, está equivocada. Qualquer que seja o cenário fiscal dos próximos anos, a União simplesmente não poderá estourar o teto. A Constituição não aceita essa possibilidade.

A emenda do teto prevê que o órgão que descumprir o limite individualizado de despesa não poderá, até que retorne ao respectivo teto, conceder aumento, reajuste e vantagens aos seus servidores, criar cargo ou função, alterar a estrutura de carreira que implique aumento de despesa, contratar pessoal a qualquer título, realizar concurso público, criar ou majorar auxílios, bônus ou abonos ou criar despesa obrigatória ou adotar medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação. Não há prazo para o retorno ao limite individualizado da despesa.

A mensagem que encaminhar a proposta orçamentária anual ao Congresso terá que demonstrar, de acordo com a regra do teto, que os valores máximos da programação são compatíveis com os limites individualizados calculados para aquele ano. Isto significa, em uma linguagem mais direta, que a proposta orçamentária anual não poderá ser entregue pelo governo ao Congresso com valores acima do teto.

A emenda veda ainda a abertura de crédito suplementar ou especial que amplie o montante total autorizado de despesa primária sujeita aos limites. Isto significa que, se uma determinada despesa anual ficar maior do que foi estimada no Orçamento, o órgão terá que reduzir outro gasto para compensar a elevação imprevista. Ou seja, uma despesa só aumenta pelo cancelamento de outra, em mesmo montante.

Há uma evidente contradição entre as regras. Uma diz que, se o teto for descumprido, o órgão terá que adotar uma série de medidas até que volte a se ajustar ao limite previsto, sem definir um prazo para que isso aconteça. A segunda diz que o órgão terá que demonstrar que a sua programação orçamentária anual cumpre o limite individualizado para a despesa.

A questão central, no entanto, é outra. Se o órgão demonstra que a sua programação anual cumpre o seu limite individual de despesa e se ele não pode solicitar um crédito suplementar ou adicional ao gasto autorizado, como será possível descumprir o teto?

Se o teto não for descumprido, o órgão não será obrigado a utilizar as medidas de ajuste das despesas previstas na emenda 95. O problema, no entanto, continuará. O crescimento das despesas obrigatórias, em termos reais, expulsará do Orçamento as chamadas despesas discricionárias, representadas pelo custeio da máquina pública e pelos investimentos, o que poderá levar à paralisação do próprio governo. Como elaborar, então, a proposta orçamentária dentro dos limites de despesa?

Houve um equívoco na redação da emenda 95, pois as medidas de ajuste das despesas foram previstas para serem adotadas em uma situação que não irá ocorrer.

O problema que está colocado para o futuro governo, portanto, não é saber o que vai acontecer quando o teto for descumprido, mas o que irá fazer para que as despesas da União fiquem dentro do teto. O texto da emenda 95 não ajuda em nada nesta questão. Será preciso, portanto, fazer uma nova emenda constitucional com medidas que ajudem a fechar o Orçamento.

Algum especialista em finanças públicas pode dizer que a emenda constitucional 95 limitou apenas a despesa orçamentária, e não a despesa paga. Há uma diferença entre o montante orçado e o que é efetivamente pago em determinado ano. Nesta última equação é preciso considerar os restos a pagar. Uma obra ou serviço que não é entregue no mesmo exercício em que é autorizado não pode ser pago. O pagamento ficará para o ano seguinte, inscrito no Orçamento como restos a pagar. Isso é muito comum na administração pública, principalmente quando se trata de investimentos, que têm prazo de execução mais prolongado.

É preciso avaliar dois aspectos. O primeiro é que a emenda 95 prevê que o pagamento de restos a pagar inscritos até o dia 31 de dezembro de 2015 poderá ser excluído da verificação do cumprimento dos limites da despesa. Ou seja, o pagamento da montanha de restos a pagar inscritos nos governos Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva não afetará o teto.

Outro aspecto é que, recentemente, o presidente Michel Temer baixou decreto estabelecendo regras para o cancelamento dos restos a pagar não processados - quando a despesa do Orçamento do ano foi empenhada, mas não foi liquidada nem paga. Os não processados foram os que mais cresceram no passado, tendo o saldo atingido R$ 190 bilhões, segundo o Tesouro Nacional.

Já os restos a pagar processados (despesas que foram empenhadas e liquidadas, mas ainda não foram pagas) não têm crescido muito. O objetivo do decreto de Temer é reduzir substancialmente os restos a pagar não processados. Assim, não faz sentido achar que o governo poderá, no futuro, elevar o saldo de restos a pagar para, em determinado ano, fazer pagamentos que estourem o teto de gastos.

Alguns órgãos do Judiciário estouraram os limites de despesa no ano passado e, provavelmente, também o farão neste ano. Mas eles já ingressaram no novo regime fiscal acima dos limites. A emenda 95 permitiu que o Executivo compensasse os estouros do Judiciário durante três anos. O interessante é saber como será a proposta orçamentária do Judiciário em 2020, quando não haverá mais a compensação.

Autonomia do BC
É difícil acreditar que o Banco Central terá autonomia se o projeto de lei complementar que tramita na Câmara dos Deputados for aprovado. O projeto tem um artigo que diz que o presidente ou diretor do BC poderá ser exonerado "se apresentar desempenho insuficiente no exercício de suas funções".

O que é exatamente um "desempenho insuficiente" não está especificado no projeto. Nada mais subjetivo do que esta frase, que permitirá a demissão do presidente ou de diretor do BC por vontade do presidente da República.

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