domingo, 21 de outubro de 2018

Opinião do dia: Fernando Henrique Cardoso

“Há em circulação um manifesto de democratas progressistas. Bem-vindo. Com a provável eleição de Bolsonaro precisaremos mais ainda de defensores da democracia, para impedir que ele (ou quem vier a vencer) tente sair do rumo constitucional.”


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Fernando Henrique Cardoso, sociólogo, ex-presidente da República, texto da pagina da sua rede social Twitter, 20/10;2018

Luiz Sérgio Henriques*: Além das culturas que dividem

- O Estado de S. Paulo

A persistência das divisões atuais somente nos garantirá uma continuada decadência

Pode suceder que culturas políticas fortemente divisivas, mais perto do seu ocaso, descubram a pertinência de ideias que superem ou pelo menos subordinem a linguagem de parte ou facção. O comunismo do século 20, uma expressão desse tipo de cultura, ainda nos anos 1930 teve momentos positivos, como nas frentes populares, quando, com idas e vindas, firmou a aliança com os liberal-democratas e muitos outros, contribuindo para a derrota do nazi-fascismo. E saltando algumas décadas, já a caminho do fim, do interior da sua vertente ocidental brotaria a “heresia” eurocomunista, que afirmava, dessa vez com consistência, a universalidade da democracia política.

O panorama, assim, abriu-se para a recomposição com os social-democratas. No Ocidente, com suas instituições progressivamente ampliadas e sua “sociedade aberta”, se se quisesse manter o uso do termo “socialismo”, então não haveria dúvida: a democracia passaria a ser o caminho do socialismo, não para o socialismo. A “meta final” ficava em segundo plano ou mesmo desaparecia. A travessia era tudo, e para percorrê-la devia-se deixar de lado a bagagem autoritária do passado.

Idealmente, um partido como o PT, criado no momento em que se saía de uma ditadura e, ao mesmo tempo, se prenunciava o fim do comunismo, deveria ter tido nesse conjunto de valores um alicerce bem assentado. A formação de seu grupo dirigente e a educação de seus militantes se valeriam dos recursos inéditos que o País redemocratizado podia oferecer. Nada de culto à personalidade nem formação de subculturas dogmáticas e excludentes - ou, para usar termos mais atuais, o encerramento em “bolhas eletrônicas”, que desprezam a dúvida e erguem muros tão ou mais altos do que os de pedra e cal.

Não foi o que aconteceu. O novo partido permaneceu atado a um sistemático espírito de cisão que o impediu de participar positivamente de momentos cruciais da transição. Chegou a votar contra o texto da Constituição! Parecia cuidar de si próprio, absorvido na dialética interna de grupos e correntes que só se uniam em torno do líder promovido a mito e, posteriormente, a mártir. Sua excepcionalidade estava garantida a priori e dela viria o resgate de um país perdido em séculos de História infeliz. A recusa de alianças era marca registrada. E suas atitudes anunciavam uma guerra “contra tudo”, muito próxima, por sinal, dos populismos contemporâneos, inclusive de direita.

Roberto Romano: Cuidado, nas urnas a foto é de Platão!

- O Estado de S. Paulo

Quem nega que o vitorioso será o político que mais cativar, com mentiras e lisonjas...?

Nas atuais eleições é notável o uso de mentiras e violência. Muito se discutem o voto eletrônico e as informações falsas veiculadas na internet. Os pronunciamentos de Rosa Weber, presidente do TSE, não amainam as suspeitas sobre a eficácia das medidas contra fraudes e manipulações das notícias. Mergulhados na vida recente, imaginamos enfrentar um fenômeno inusitado, a crise letal do sistema democrático. No entanto, desde a Grécia antiga esse modo de governar beira o abismo. Recordo alguns escritos clássicos de Platão, o maior adversário do governo popular. Eles trazem um diagnóstico válido para nossos tempos.

O povo que segue o palpite de pessoas sem técnica na arte política, segundo Sócrates, só pode ser doente. Em vez da prudência nos assuntos de Estado, ele obedece ditames que pioram as mazelas. Como o milagre é efetuado? Pela demagogia nas assembleias onde dominam a retórica e a lisonja . Em vez de rir ou caçoar dos que mentem e adulam a massa, o povo adoentado os aplaude e os elege para os cargos, submete-se à sua propaganda. Como curar um coletivo insensato? O símile do médico surge depressa em Platão. Para conseguir a higidez dos eleitores, pergunta o personagem socrático: “Eu deveria batalhar contra eles para os fazer melhores, como se fosse um médico? Ou me pôr a seu serviço e em ótimas relações com eles lhes agradar?”.

Com a resposta de seu parceiro, de que o mais avisado seria se pôr à disposição dos eleitores, Sócrates afirma: “Então eu devo lisonjeá-los”. E chega a premonição, pelo próprio filósofo, da sua própria sorte: dizer o verdadeiro à massa que deseja ser enganada é seguir para a morte. A cicuta destina-se aos inimigos de toda demagogia. Contra os políticos, Sócrates descreve a si mesmo como integrante do pequeno número dos estadistas (“talvez o único”, diz ele). Quando falo, minhas palavras não se destinam ao agrado, pois digo “o que é melhor, não o prazeroso”.

Eliane Cantanhêde: Caça às bruxas

- O Estado de S.Paulo

Com Bolsonaro, guinada na política externa e dança de cadeiras no Itamaraty

A polarização política chegou ao Itamaraty, com acusações mútuas de caça às bruxas e perspectiva de grandes mudanças a partir de janeiro de 2019, se o presidente for Jair Bolsonaro, como indicam as pesquisas. Nesse caso, haverá uma guinada na política externa e uma forte dança de cadeiras.

A campanha de Bolsonaro acusa diplomatas de estarem por trás da avalanche de reportagens negativas ao candidato nas principais publicações da Europa, Estados Unidos e América Latina. E ressalta: elas não apenas classificam Bolsonaro como “racista”, “homofóbico” e “ameaça à democracia”, como poupam ou até enaltecem o PT.

Na fila, The Economist, um bastião do liberalismo econômico internacional, Financial Times, Liberation, The New York Times e Le Figaro, além de importantes jornais da América Latina, no que o comando bolsonarista classifica de campanha externa contra o candidato e que atinge também organismos internacionais.

Ao acusarem diplomatas brasileiros de municiarem jornais e jornalistas estrangeiros, aliados do candidato do PSL apontam os que seriam “líderes da campanha”: os embaixadores aposentados Celso Amorim e José Viegas, que foram ministros da Defesa nos governos do PT e recebidos com desconfiança principalmente pelo Exército.

Amorim foi chanceler nos oito anos de Lula e participou ativamente da campanha dele à Presidência. Ao liderar a política externa “ativa e proativa”, ou Sul-Sul, Amorim direcionou o foco para países emergentes e alternativos e foi assim que a China desbancou os EUA como principal parceiro comercial brasileiro e Amorim forjou toda uma geração de diplomatas. Bolsonaristas dizem que são “todos petistas” e estão em cargos-chave que, aliás, citam de cor.

Vera Magalhães: Bolsonaro e a democracia

- O Estado de S.Paulo

Está na hora de o candidato firmar compromissos claros com as instituições

Uma das maiores discussões sobre o que será um governo de Jair Bolsonaro é se ele colocará ou não em xeque a democracia. Ou, num grau mais extremo, se existe risco de volta à ditadura.

Considero a segunda formulação um evidente exagero, que tem sido proclamado em tom alarmista por eleitores do PT, políticos e até alguns analistas. Mas não estou entre aqueles que, no polo contrário, não veem nenhuma nuvem no horizonte democrático do País. Acho que o céu está carregado delas, e que, para que comecem a se dissipar, há algumas iniciativas que cabem ao candidato, para que comece a mostrar quem será o presidente Bolsonaro, caso se confirme sua eleição daqui a uma semana.

Não foram poucas nem triviais as maneiras pelas quais, ao longo de sua carreira, Bolsonaro relativizou a democracia, defendeu a ditadura (inclusive a tortura) e lançou petardos verbais contra diversas instituições, a ponto de questionar sua independência ou até sua legitimidade – STF, Procuradoria Geral da República, imprensa, Justiça Eleitoral e o próprio Congresso foram alguns alvos dessa retórica perigosa.

Já como candidato, o deputado lançou propostas que indicam que, uma vez eleito, pode investir contra algumas dessas instituições, inclusive os outros Poderes. Em julho, defendeu a mudança no critério de indicação de ministros do Supremo, ampliando o número de cadeiras de 11 para 21 e indicando, no curso do seu mandato, os dez novos integrantes da Corte.

Merval Pereira: O aburguesamento do brasileiro

- O Globo

Bolsonaro é identificado como aquele que mais ajuda os ricos, primeira vez que um candidato lidera a disputa com essa definição

O Brasil que está saindo das urnas merecerá no futuro próximo análises mais aprofundadas de sociólogos, antropólogos, cientistas políticos, mas os desdobramentos das pesquisas de intenção de votos já permitem fazer um retrato da sociedade brasileira que Bolsonaro, por instinto próprio ou orientação de alguém ainda não identificado, compreendeu melhor do que o PT e outros partidos.

Um momento exemplar dessa falta de compreensão é aquele em que a filósofa Marilena Chaui grita que detesta " a classe média", provocando risos do então presidente Lula.

O que o diretor do Datafolha Mauro Paulino chama de “aburguesamento de valores” da classe média brasileira já estava identificado em pesquisa do Instituto Perseu Abramo, ligado ao PT, logo após as eleições municipais de 2016, quando o partido perdeu largamente.

O Instituto avisava que o “imaginário social dos moradores da periferia de São Paulo”, já àquela época, revelava uma intensa presença dos valores liberais do “faça você mesmo”, do individualismo, da competitividade e da eficiência.

Uma população que não crê em partidos; almeja crescer individualmente; busca transformações, mas é pouco afeita a rupturas; anseia por novas idéias, mas é também pragmática.

Bernardo Mello Franco: Licença para matar

- O Globo

A campanha tem premiado candidatos que oferecem carta branca para a polícia atirar. Eles prometem reduzir a violência, mas têm tudo para aumenta-la

Rodrigo Serrano tinha 26 anos, era pai de dois filhos e trabalhava como garçom num bar em Ipanema. Numa segunda-feira de setembro, ele marcou encontro com a mulher e as crianças perto de casa, no morro do Chapéu Mangueira, no Leme. Enquanto esperava a família, foi morto com três tiros disparados por um policial militar. Segundo testemunhas, o soldado confundiu seu guarda-chuva com um fuzil.

O crime completou um mês na quarta-feira, e o atirador continua a vestir a farda como se nada tivesse acontecido. A julgar por casos semelhantes, deve continuar assim.

Em 2015, na Pavuna, um sargento da PM matou os mototaxistas Jorge Paes e Thiago Guimarães. Os dois carregavam um macaco hidráulico, que o policial pensou ser uma metralhadora. Em 2010, no Andaraí, um cabo do Bope alvejou o supervisor de supermercados Hélio Ribeiro. Ele entrou na mira ao usar uma furadeira no terraço de casa. Nos três episódios, quatro inocentes morreram e ninguém foi punido.

A campanha eleitoral tem premiado políticos que prometem dar carta branca para a polícia atirar. Candidatos que pregam o combate à violência com mais violência lideram as disputas pelo governo do Rio e pela Presidência. Eles falam em reduzir as taxas de homicídio, mas têm tudo para aumentá-las.

Líder da corrida ao Palácio Guanabara, Wilson Witzel adotou um lema de filme de faroeste: “No meu governo, bandido de fuzil será abatido”. A frase é um estímulo à política de atirar primeiro e perguntar depois. Como o gatilho continuará nos dedos dos policiais que estão aí, inocentes que saem de guarda-chuva correrão mais risco de morrer à toa. O garçom do Chapéu Mangueira carregava no bolso a carteira de trabalho, que ficou ensopada de sangue.

Elio Gaspari: Breve tratado dos chatos de eleição

- O Globo

Conversar sobre política exige um mínimo de intimidade, alguma educação e, acima de tudo, um propósito

Faltando pouco para o segundo turno, está à solta o chato eleitoral. É um personagem que tenta transformar qualquer conversa em discussão política para defender seu candidato. Assim como sempre haverá gente que enfia o dedo no nariz, não há como evitar que ele exista. Pode-se limitar o alcance de sua chateação cortando-se polidamente o assunto. O general Alfredo Malan tinha uma fórmula: “Política e jogo de cartas me dão sono”. (Não era verdade, mas funcionava.)

Há dois tipos de chatos eleitorais.

O primeiro, benigno, é o militante. Ele supõe que sua palavra iluminada pode conseguir um voto para seu candidato. Esse chato pode ser neutralizado com uma simples mudança de assunto. O melhor remédio é deixá-lo falar o tempo que quiser. Interrompê-lo será estimulá-lo.

O segundo chato eleitoral, maligno, quer vender seu candidato, mas há nele algum tipo de insegurança. Fez sua escolha mas busca apoio, cumplicidade.

Esse é o tipo mais desagradável e perigoso, porque precisa de uma discussão. Afinal, só assim poderá se convencer que fará o certo, pois mais gente decidiu como ele. Quanto mais corda recebe, mas enfático ou radical se torna. Nesse caso o culpado pela chateação será quem lhe deu corda. (Trocar ideias com um eleitor de Bolsonaro tem uma complicação exclusiva, pois o candidato não quer debater as suas.

Se nenhum recurso der certo, pode-se recorrer ao truque do deputado Temperani Pereira. Depois de ouvir uma exposição de um colega ele lhe disse: “Sua opinião me deixa incorrobúvel e imbafefe”.

Depois comentou: “Quero ver ele achar essas palavras no dicionário”.

MEDO MÚTUO
O pior sinal do tamanho do ódio e do medo que se espalharam pela política pode ser comprovado nas ruas. Não há carros com adesivos dos candidatos.

OLGA BENÁRIO
Chegou ao mercado um lote de uma centena de cartas de Olga Benário, a mulher de Luís Carlos Prestes. Há algumas fechadas, outras lhe eram endereçadas e muitas que teriam sido manuscritas por ela.

Olga foi presa com Prestes em 1936. Meses depois Getúlio Vargas deportou-a para a Alemanha. Grávida, ela teve um pedido de habeas corpus negado pelo Supremo Tribunal Federal. Em 1942, Olga foi mandada para a câmara de gás no campo de Bernburg.

RETROVISOR
Diante do desempenho do empresário Romeu Zema na disputa do pelo governo de Minas fica uma pergunta inútil para quem está assustado com a situação do Rio de Janeiro.

O que aconteceria se o partido Novo tivesse lançado o economista Gustavo Franco e se ele topasse disputar o palácio Guanabara?

O ex-presidente do Banco Central deixou o PSDB e filiou-se ao Novo quando ele era apenas uma ideia.

Míriam Leitão: Falsos problemas dividem o país

- O Globo

Na eleição em que tanto havia para se discutir sobre o país, o debate da campanha virou o perigo do “comunismo”, uma volta aos anos 1970

Todas as eleições são difíceis. Nem todas são infelizes. Ao fim, o verdadeiro vencedor não é necessariamente o que tem mais votos, mas o que, vencendo, consegue pacificar o país. Até agora não há sinal de que teremos isso. Não é o resultado que infelicita um processo eleitoral, mas sim o que acontece no meio do caminho. E houve muitas irregularidades que as autoridades não conseguiram coibir, e muitas fraturas que prenunciam um tumultuado depois.

O país havia se preparado para que essa eleição fosse uma oportunidade de mudança. Especialistas em várias áreas, dos tributos à educação, da indústria ao combate à corrupção, formularam projetos para apresentar aos candidatos. O Banco Mundial fez um estudo profundo das despesas públicas brasileiras e apresentou, também como oferta a todos, as ideias por um “ajuste justo". Houve até uma convergência. Vários programas de candidatos falaram em rever os subsídios e gastos tributários com setores empresariais. Mas não explicaram o que ou como fazer. Em alguns casos era apenas rótulo.

Mesmo que o próximo governo desperdice o esforço do país, as instituições seguirão com seu ativismo. A propósito: ativismo nunca foi uma palavra feia. Significa a mobilização de alguém por alguma causa coletiva na qual acredita.

Hélio Schwartsman: O povo contra a democracia

- Folha de S. Paulo

Para autor, tendências ajudam a explicar cisão entre vontade popular e preservação de direitos

Povo e democracia podem opor-se um ao outro? Por mais paradoxal que pareça —“democracia” significa “governo do povo”—, podem. Essa ao menos é a tese do cientista político Yascha Mounk (Harvard), desenvolvida nas páginas de “The People vs. Democracy”.

Lançado pouco depois do best-seller “Como as Democracias Morrem”, dos colegas harvardianos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, o livro de Mounk também procura explicações para a onda de sobressaltos que a democracia vem experimentando globalmente. Embora “The People vs. Democracy” tenha feito aqui no Brasil menos barulho do que “Como as Democracias Morrem”, seus insights não são menos valiosos.

Para Mounk, fica mais fácil compreender fenômenos populistas como Trump e Erdogan (aos quais poderíamos acrescentar Bolsonaro), se deixarmos de pensar a democracia como a união indivisível da soberania popular com a preservação de um núcleo de direitos fundamentais.

Bruno Boghossian: O tamanho do PT

- Folha de S. Paulo

Voto concentrado no Nordeste será desafio para o PT

Dos 31 milhões de votos obtidos por Fernando Haddad no primeiro turno, quase metade saiu das urnas do Nordeste. A popularidade do PT na região não é nenhuma novidade, mas o partido nunca dependeu tanto de seus principais redutos quanto agora.

Seja qual for o resultado da corrida presidencial, a composição do eleitorado petista passa por uma mudança este ano. O desgaste profundo da imagem da sigla e o avanço de Jair Bolsonaro (PSL) na classe média impulsionam esse rearranjo.

O eleitorado nordestino foi responsável por 46% dos votos dados a Haddad no dia 7. O peso da região é o mais alto do ciclo iniciado com a primeira eleição de Lula, há 16 anos. Ao longo desse período, o partido acumulou força e transformou esses estados em suas fortalezas.

No primeiro turno de 2002, os votos do Nordeste representaram apenas 24% do desempenho de Lula. O mapa eleitoral era relativamente equilibrado. O petista ficou na frente em 23 estados e no Distrito Federal.

Vinicius Torres Freire: Bolsonaro, marajás e gastos militares

- Folha de S. Paulo

Para conter gastos, seria preciso enfrentar despesas com servidores, militares inclusive

Jair Bolsonaro prometeu acabar com a "farra de marajás", funcionários públicos que juntam penduricalhos a seus salários altos. Prometeu também reforma da Previdência aguada: "Não podemos penalizar quem já tem direitos adquiridos. O servidor público já sofreu duas reformas".

O candidato parece perdido entre dois mundos. Ainda vive na Terra do Nunca programático, que fica entre o país liberal de seu economista-chefe, Paulo Guedes, e a ilha das corporações estatais, entre elas a militar, da qual fez parte.

No entanto, a arrumação das contas públicas depende de um plano que tem de bulir com servidores públicos e aposentados em geral.

Gastos previdenciários levam 47,7% da despesa total do governo federal; outros 22% vão para gastos com servidores (salários, aposentadorias e benefícios). Somados, dão quase 70%.

O gasto com militares leva um quarto da despesa federal com o funcionalismo. De cada R$ 3 gastos com a folha de pessoal dos militares, R$ 2 vão para aposentadorias e pensões, que custam cerca de R$ 47,5 bilhões por ano.

Samuel Pessôa: Debater com a heterodoxia cansa

- Folha de S. Paulo

Eles falam, andam em círculos, mas conta que é bom não fazem; é mais fácil chamar os que calculam de inimigos dos pobres

Ninguém discorda de que o Brasil é muito desigual e que o peso dos tributos sobre os mais pobres é maior do que deveria ser.

É comum afirmar que tudo se resolveria facilmente com a criação de um imposto sobre grandes fortunas.

As pessoas que têm se debruçado sobre esse problema espinhoso, a maneira de a política tributária reduzir as desigualdades sociais, têm um pouco mais de dúvidas sobre como fazer isso do que Pochmann e Feldman demonstraram em colunas recentes nesta Folha.

Em um primeiro momento, eles dizem literalmente que o déficit primário previsto para 2019 "poderia ser superado pela cobrança de 1% sobre grandes fortunas".

Quando demonstrado que seus números não se sustentam, escrevem que, com "a reformulação do Imposto sobre Heranças e Doações (ITCMD) e a taxação de dividendos e grandes fortunas, o potencial arrecadatório aproxima-se de 1,5% do PIB".

Passam assim de uma base tributária possível para outra como se elas fossem intercambiáveis e como se, no final, fosse tudo a mesma coisa.

Luiz Carlos Azedo: Como melar uma eleição

- Correio Braziliense

“O PT subiu o tom dos ataques a Bolsonaro, que enfrenta o pedido de cassação de sua candidatura feito pela campanha de Haddad, por suposto abuso de poder econômico nas redes sociais”

O pedido de impugnação da candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) por abuso de poder econômico e uso de caixa dois no primeiro turno, tendo por base o seu suposto envolvimento com empresas privadas que financiaram o impulsionamento de fake news contra o candidato do PT, Fernando Haddad, tem o objetivo de melar a eleição. Bolsonaro tem 18 pontos de vantagem em relação ao petista e somente um fato novo, como o que está sendo criado pelo PT, poderia produzir condições para reversão dessa dianteira.

O PT fez uma jogada muito comum no movimento sindical, onde as eleições costumam ser “judicializadas” quando uma chapa se vê em grande desvantagem às vésperas do pleito. Aproveitou-se de uma denúncia do jornal Folha de S. Paulo para deslegitimar os 49,2 milhões de votos obtidos por Bolsonaro no primeiro turno, com argumento de que houve fraude na utilização do WhatsApp como ferramenta de campanha. Com isso, submeteu o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) a uma tremenda saia justa, pois cabia à Justiça fiscalizar o pleito e detectar as supostas irregularidades, o que não aconteceu.

O ministro Jorge Mussi, corregedor do TSE, não teve outra alternativa a não ser dar prosseguimento à ação apresentada pela campanha do petista, mas rejeitou todos os pedidos de investigação e quebra de sigilo feitos pelo PT. A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, que também é a procuradora eleitoral, foi igualmente instada a tomar providências, no caso, solicitou uma investigação da Polícia Federal.

Muito além da economia: Editorial | O Estado de S. Paulo

O tema do liberalismo esteve muito presente na campanha eleitoral deste ano. Entre outros fatores, cresceu o número de candidatos e partidos dispostos a defender ideias liberais, especialmente na área econômica. Ainda que possa parecer pequeno diante da força dos diversos populismos, é um passo importante para a qualidade das discussões políticas do País. A discussão dos valores liberais sempre enriquece o debate público.

Deve-se reconhecer, no entanto, que a campanha eleitoral é um espaço mais propício para simplificações e polarizações do que para um diálogo maduro e construtivo. Por exemplo, as discussões sobre o liberalismo quase sempre estiveram restritas a questões econômicas, o que reforça a equivocada ideia de que as ideias liberais se resumiriam a um conjunto de princípios e postulados relativos à economia e ao mercado.

É evidente que os valores liberais têm consequências na área econômica. No entanto, a defesa da liberdade é muito mais do que um meio para resolver problemas econômicos. O objetivo dos valores liberais não é simplesmente maximizar os ganhos econômicos em uma determinada sociedade. É assegurar o exercício, em todos os âmbitos, das liberdades individuais e políticas.

Sem começar do zero: Editorial | Folha de S. Paulo

Programa econômico de Bolsonaro deveria aproveitar projetos de reformas com análises mais amadurecidas

Na reta final da disputa pelo Palácio do Planalto, a equipe do candidato que lidera com folga as pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), ainda trabalha na confecção de uma agenda econômica que terá de responder a desafios imediatos.

Nem mesmo se sabe se o presidenciável, que não participa de debates, tem pleno conhecimento dos planos em estudo. Ademais, certas manifestações de seu principal assessor, Paulo Guedes, suscitam dúvidas quanto à escolha das batalhas a serem travadas para o reequilíbrio das finanças públicas.

Tome-se como exemplo o intuito declarado de eliminar a destinação obrigatória de receitas a determinadas áreas, notadamente educação e saúde. Hoje, pela regra provisória do teto fixado para os gastos, a União é obrigada a repassar a essas áreas o montante do ano anterior corrigido pela inflação.

Já estados e municípios devem aplicar em saúde, respectivamente, 12% e 15% das receitas principais; para o ensino, são 25%.

Saneamento básico ao largo das eleições: Editorial | O Globo

Trata-se de fator essencial para a melhoria da qualidade de vida em geral e da saúde em particular

Uma das características desta eleição é o nevoeiro que encobre programas de governo. Há até evidências de que não existam em certos casos, não passando de listas de intenções, sem detalhamento. O que é o mesmo que nada propor. Até agora, falta discutir o que fazer no enfrentamento de problemas graves que se eternizam.

A histórica precariedade do saneamento básico é uma dessas mazelas que vêm passando à margem da campanha eleitoral. Com uma ou outra exceção — geralmente quando há a atuação de empresas privadas — , a situação no setor se mantém indigente para um país cujo PIB é um dos dez maiores do mundo. Levantamentos do Instituto Trata Brasil, atualizados até 2016, refletem, em geral, um cenário de relativa estagnação, com um ou outro caso de avanços, mas também de retrocessos (gráficos). Os indicadores médios para o país não animam.

Empresa fez oferta ilegal de disparo de mensagens

Documento confirma oferta ilegal de mensagens por WhatsApp na eleição

Proposta não aceita pela campanha de Alckmin pediu R$ 8,7 mi por disparos via aplicativo

Patrícia Campos Mello | Folha de S. Paulo

SÃO PAULO - Trocas de emails e a proposta de um contrato obtidas pela Folha confirmam a oferta de disparos em massa por WhatsApp a campanhas políticas, utilizando base de usuários de terceiros, em desacordo com a lei eleitoral.

A Croc Services formalizou proposta de R$ 8,7 milhões à campanha de Geraldo Alckmin (PSDB) à Presidência, usando nomes e números de celulares obtidos pela própria agência, e não pelo candidato.

A oferta de contrato da empresa, com data de 30 de julho e obtida pela Folha, cita opções diversas de disparos de mensagens por WhatsApp, com pagamento a ser feito até três dias antes da ação.

Marcelo Vitorino, coordenador da área digital da campanha deAlckmin, afirma que a campanha não comprou a opção de serviço usando base de terceiros, mas apenas com a lista de telefones de militantes e membros do PSDB e de apoiadores que forneceram dados nas redes do candidato —o que não é ilegal. Ele desembolsou R$ 495 mil pelos disparos, a R$ 0,09 cada um.

Pedro Freitas, sócio-diretor da Croc, afirmou não saber que a prática era ilegal. Ele disse que só prestou serviços para a campanha de Romeu Zema (Novo) ao governo de Minas, que gastou R$ 365 mil, e de Alckmin, com a base fornecida pelos partidos —Zema também diz que só comprou serviços com dados próprios.

Freitas disse ter uma base própria de usuários acumulada ao longo dos anos. Ele presta serviços ao setor privado. "Se as campanhas compraram a base de alguém eu não sei, mas o fato é que me mandaram a lista de telefones."

A Folha revelou na quinta-feira (18) que empresas compraram pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp e preparavam uma grande operação na semana anterior ao segundo turno da eleição.

Bolsonaro pede direito de resposta e exclusão de reportagens da Folha sobre pacote de mensagens

Ministro negou retirada imediata da reportagem do site

- Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - O candidato Jair Bolsonaro (PSL) entrou na noite de sexta (19) no Tribunal Superior Eleitoral com pedido de direito de resposta e de exclusão da reportagem da Folha que revelou que empresas estão comprando pacotes de disparos de mensagens contra o PT no WhatsApp.

Assinada, entre outros, pelo presidente interino do PSL, Gustavo Bebbiano, a peça pede que a Justiça determine a publicação, no jornal, do direito de resposta sob o título "Folha acusa campanha de Bolsonaro sem provas", em espaço equivalente ao ocupado pela reportagem de quinta (18).

Os advogados da campanha de Bolsonaro afirmam no pedido, que foi distribuído para o ministro Sérgio Silveira Banhos, que a Folha fez acusações sem provas com o intuito de beneficiar a candidatura de Fernando Haddad (PT).

No início da noite deste sábado (20), o ministro-relator divulgou decisão em que nega o pedido da campanha de Bolsonaro de retirada imediata da reportagem do site da Folha.

PF abre investigação para apurar difusão de fake news

Disseminação massiva de notícias, mesmo verídicas, também será analisada

Bela Megale e Karla Gamba | O Globo

O ministro da Justiça, Raul Jungmann, determinou ontem que a Polícia Federal abra inquérito para investigar a divulgação massiva de notícias supostamente financiada por empresas privadas em relação aos candidatos à Presidência, Fernando Haddad (PT) e Jair Bolsonaro (PSL). Segundo integrantes da PF, a investigação vai apurar não só a divulgação de fake news, como foi pedido pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge, mas o esquema estruturado de disseminação de notícias via WhatsApp e por outras redes sociais.

Com isso, a divulgação de informações verídicas pagas com financiamento privado entra no radar dos investigadores. Desde 2015, as campanhas não podem receber doações de empresas, mas reportagem do jornal “Folha de S. Paulo” mostrou que elas estariam favorecendo o candidato do PSL ao comprar pacotes de divulgação em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp.

No documento em que solicita a abertura da investigação, o ministro diz que “a situação exige que se apure quem presta serviços com uso especializado e estruturado de logística empresarial para a divulgação, em massa, de informações falsas sob ótica criminal”. Dodge já falara, no pedido de abertura do inquérito para investigar empresas envolvidas nas denúncias de divulgação de fake news, que essa disseminação “afronta à integridade do processo eleitoral e é uma nova realidade mundial”. Segundo a lei eleitoral, é crime contratar direta ou indiretamente pessoas coma finalidade de emitir mensagens ou comentários na internet para ofendera honra ou denegrira imagem de um candidato, sob pena de prisão e multa tanto para contratantes quanto para prestadores de serviço.

Longo poema 'Sobre Isto', de Vladimir Maiakovski, ganha tradução

Inédito em português, texto reflete período de reclusão do poeta russo

Flávio Ricardo Vassoler*, Especial para o Estado

Eis o que nos diz a tradutora Letícia Mei a respeito da gênese do poema lírico Sobre Isto (Editora 34), do poeta russo Vladimir Maiakovski (1893-1930): “O longo poema lírico foi composto entre dezembro de 1922 e fevereiro de 1923, período no qual Maiakovski se isolou em seu apartamento na passagem Lubianski, em Moscou. A reclusão decorreu de uma grave discussão que tivera com Lília Brik (1891-1978), sua musa e grande amor”.

Ainda segundo Letícia Mei, o pathos da crise amorosa levara Maiakovski, poeta vinculado à revolução da sociedade e de cada um dos escaninhos da vida, a fazer as seguintes indagações: “Como reelaborar o tema do amor, como construir as novas relações sociais promovidas pela revolução [referência à Revolução Russa de 1917]? Como não aniquilar o amor com o cotidiano banal e comezinho que impele ao individualismo burguês? Em Sobre Isto, o poeta expõe toda a dor do dilema interior que seu gênio foi capaz de transpor da vida pessoal para a esfera universal.”

Transtornado pela dor, o eu lírico de Maiakovski logo nos revela, em uma fusão inconsútil entre vida e versos, que o amor o coage à escrita: “Este tema chegou colérico,/ Ordenou:/ – Dá-me/ a rédea dos dias!”

Como a inspiração se vê insuflada pelo amor em crise, o lirismo de Maiakovski (con)funde metalinguagem e saudade (forma e conteúdo), como que a nos revelar a gênese do sentimento/sentido poético: “Há um dia/ vi minha sombra na ponte./ Mas o ruído de sua voz está no meu encalço.”

Gilvan Chaves: Riqueza de Pescador

Joaquim Cardoso: Imagens do Nordeste

Sobre o capim orvalhado
Por baixo das mangabeiras
Há rastros de luz macia:
Por aqui passaram luas,
Pousaram aves bravias.

Idílio de amor perdido,
Encanto de moça nua
Na água triste da camboa;
Em junhos do meu Nordeste
Fantasma que me povoa.

Asa e flor do azul profundo,
Primazia do mar alto,
Vela branca predileta;
Na transparência do dia
És a flâmula discreta.

És a lâmina ligeira
Cortando a lã dos cordeiros,
Ferindo os ramos dourados;
– Chama intrépida e minguante
nos ares maravilhados.

E enquanto o sol vai descendo
O vento recolhe as nuvens
E o vento desfaz a lã;
Vela branca desvairada,
Mariposa da manhã.

Velho calor de Dezembro,
Chuva das águas primeiras
Feliz batendo nas telhas;
Verão de frutas maduras,
Verão de mangas vermelhas.

A minha casa amarela
Tinha seis janelas verdes
Do lado do sol nascente;
Janelas sobre a esperança
Paisagem, profundamente.

Abri as leves comportas
E as águas duras fundiram;
Num sopro de maresia
Viveiros se derramaram
Em noites de pescaria.

Camarupim, Mamanguape,
Persinunga, Pirapama,
Serinhaém, Jaboatão;
Cruzando barras de rios
Me perdi na solidão.

Me afastei sobre a planície
Das várzeas crepusculares;
Vi nuvens em torvelinho,
Estrelas de encruzilhadas
Nos rumos do meu caminho.
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Salinas de Santo Amaro,
Ondas de terra salgada,
Revoltas, na escuridão,
De silêncio e de naufrágio
Cobrindo a tantos no chão.

Terra crescida, plantada
De muita recordação.