quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Abandono e ruínas: Editorial | Folha de S. Paulo

Descaso com protocolos básicos de prevenção repete-se em diversas áreas

Já se contam mais de 80 mortos no rompimento da barragem em Brumadinho (MG), e o número de desaparecidos ainda beira os 300. Uma tragédia cuja dimensão humana encontra poucos paralelos no país, mas que tem na sua origem um fator repetido amiúde: o descaso com protocolos básicos de prevenção de desastres.

Logo surgiu como lembrança inevitável a catástrofe de Mariana (MG). O rastro de destruição deixado há meros três anos parecia capaz de forçar uma mudança de atitude. O próprio presidente da Vale, empresa envolvida nas duas ocorrências, assumiu o cargo proclamando o lema “Mariana nunca mais”.

A promessa pouco durou, e mais uma vez acumulam-se suspeitas quanto à fiscalização e à adoção de medidas de segurança.

Tal padrão já provocou inúmeras cicatrizes que poderiam ter sido evitadas. Não se trata apenas das desgraças de maior repercussão, como o incêndio da boate Kiss, em Santa Maria (RS), que completou seis anos neste mês, ou o que destruiu parte significativa do Museu Nacional, no Rio de Janeiro.

Casebres consumidos pelas chamas, desmoronamento de edifícios e colapso de obras públicas, entre outros casos, sucedem-se numa rotina intolerável.

Em São Paulo, capital do estado mais rico da Federação, registraram-se recentemente duas interdições de viadutos. Ambas terminaram sem que ninguém morresse, mas não se pode dizer que tenha havido prudência das autoridades.

A primeira ocorreu depois de ceder uma estrutura na marginal Pinheiros, que veio a tornar ainda mais exasperante as condições de tráfego na cidade. Dois meses depois, interrompeu-se o uso de uma ligação da pista expressa da marginal Tietê que dá acesso à rodovia Dutra, após constatar-se dano grave em uma das vigas de sustentação.

Em meio ao tradicional jogo de empurra de responsabilidades, sabe-se que o principal culpado é o poder público, ineficiente no cumprimento de suas atribuições. Fiscaliza de maneira precária e, no mais das vezes, toma providências quando o infortúnio se consumou.

Pode-se evocar como fator de agravamento do quadro a depauperação gerada pela incúria administrativa e pelo desequilíbrio das finanças governamentais. Tais aspectos, porém, não bastam para explicar o espetáculo de abandono e ruína a que se assiste no país.

É difícil não ver nessas calamidades o concurso de uma cultura institucional frágil, na qual o desprezo pelo bem público e pela coletividade se impõe como corolário de uma atitude de apropriação do Estado por interesses particulares.

Não é por acaso que se arrastam na Justiça, em processos que parecem não ter fim, as indenizações e multas a serem pagas pelos que deveriam ter prevenido os sinistros.

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