sexta-feira, 25 de janeiro de 2019

César Felício: A cartucheira de Flávio está cheia

- Valor Econômico

Senador eleito tem muitas linhas de defesa a explorar

O exército que guarda o senador eleito Flávio Bolsonaro ainda tem muitas linhas de defesa a serem rompidas, antes da sobrevivência política do primogênito do presidente ser dada como ameaçada. É verdade que o coração do grupo político que empalmou o poder está exposto com o escândalo e talvez toda a sequência de disparates que aconteciam no gabinete de Flávio na Assembleia não tenha vindo à tona. Há várias maneiras, contudo, do caso não dar em nada.

A primeira linha, decerto a principal, estará nas mãos do ministro Marco Aurélio Mello, dentro de dez dias. O pedido da defesa do senador eleito, acolhido por Fux, não trata apenas da questão do foro ao qual Flávio deve responder. Sobre este ponto, Marco Aurélio já sinalizou que não deve aceitar a reclamação. Também menciona que o Ministério Público do Rio de Janeiro, de certo modo, provocou o Coaf a detalhar as operações suspeitas, o que configuraria quebra de sigilo e demandaria autorização judicial. É uma questão sobre a qual não é possível prever a decisão do relator.

Flávio pode se tornar beneficiário de uma briga que a princípio não é a sua: a luta do Judiciário para demarcar limites à atuação do Ministério Público. A reclamação pode ser a ocasião para ficar estabelecido se o Coaf pode ou não atender a pedidos do Ministério Público, uma decisão que pode ter um alcance muito maior do que a polêmica sobre o sigilo do filho do presidente. Pode marcar uma inflexão na tendência de fortalecimento do Ministério Público que se tornou patente nos últimos anos.

A segunda linha é a sombra de alguma ação governamental no caso Flávio. Esta hipótese estava em baixa, já que o Planalto tem sinalizado que trata -se de uma situação particular do parlamentar, que deve se defender sozinho. A tese é de que Bolsonaro iria erguer um cordão sanitário em torno do próprio filho, soltando sua mão e o entregando à correnteza. A consulta pública aberta pelo Banco Central dá margem para que se coloque em dúvida se o cordão sanitário vai mesmo existir. Se o Banco Central acabar com a compulsoriedade de uma transação potencialmente suspeita ser comunicada ao Coaf, o cheque de R$ 24 mil de Fabrício Queiroz para a madrasta do senador, a primeira-dama Michelle Bolsonaro, poderia ter passado despercebido.

Em Davos, Sergio Moro procurou estancar a manobra com dois movimentos: em um "quebra-queixo" com jornalistas disse que a sugestão do BC "não era decisão tomada". "O governo ainda vai se posicionar", garantiu. Mais adiante, em entrevista para a Reuters, o ministro procurou ser claro: "O governo nunca vai interferir no trabalho dos investigadores ou no trabalho com promotores". O tempo dirá se Moro prevaleceu ou foi vencido.

O BC publicou uma nota para dizer que a sugestão na realidade vai apertar, e não afrouxar o controle sobre transações, já que os bancos terão de monitorar todas as transações e reportar o que considerarem suspeito. Seria uma maneira de os bancos aprimorarem seus controles, de acordo com a autoridade financeira. É uma maneira também de cortar os poderes do Coaf, que deixaria de receber informações compulsórias e passaria a ter informações espontâneas.

Parece claro haver uma disputa entre Sergio Moro e Banco Central sobre o tema. O Coaf dependerá de uma autorregulação bancária para poder atuar?

É outra queda de braço que pode beneficiar Flávio.

Escalada
Vive-se no Brasil agora uma incerteza sobre o funcionamento de mecanismos de controle sobre o poder central. Com uma canetada, o vice-presidente Hamilton Mourão ampliou ontem a capacidade do governo de atribuir o selo de "ultrassecreto" a documentos e dados passíveis de serem alcançados pela Lei de Acesso à Informação. O carimbo poderá ser usado por funcionários que exercem cargo de comissão. É muito mais gente para colocar a venda.

Já no primeiro dia do governo, com a Medida Provisória 870, o governo estabeleceu supervisão e monitoramento sobre organismos internacionais e organizações não governamentais indistintamente, recebam elas ou não recursos públicos. O mesmo instrumento legal levou a órgãos como o Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH) a temerem, no limite, pela criação de restrições orçamentárias que ameacem a sua própria existência, temas que já foram tratados nesta coluna e na de Malu Delgado, publicada na quarta-feira.

A onda de violência que atinge o Ceará levou o presidente a usar as redes sociais para colocar na ordem do dia a proposta do senador Lasier Martins que reforça a lei antiterrorismo. Pelo projeto de Lasier, elogiado por Bolsonaro, é tipificado como terrorismo "incendiar, depredar, saquear, destruir ou explodir qualquer bem público ou privado", se o objetivo for pressionar os governantes. É uma amplitude tão grande que permite abarcar neste critério a derrubada de uma torre de transmissão e a pichação de um muro.

Wyllys
A desistência de Jean Wyllys de exercer o mandato é um ato político, mais além da possível ameaça que pesa à sua vida. Wyllys cria um constrangimento de porte ao governos federal e estadual em um momento de baixa em sua carreira.

Wyllys surgiu como figura pública na condição de celebridade instantânea, após vencer um programa BBB, e elegeu-se como militante da causa LGBT. Mas se notabilizou por antagonizar e ser antagonizado por Jair Bolsonaro e seu filho Eduardo. "Eles fizeram um jogo de ganha-ganha. Um serviu de escada para o outro", comentou uma vez, cinicamente, um dos mais poderosos congressistas do país. Não foi bem assim.

Foi reeleito com apenas 24.295 votos, o menos votado dos 46 deputados do Rio de Janeiro. Entrou na sobra de quociente aberta pela votação de Marcelo Freixo. Em 2014 havia conseguido 144.740 sufrágios.

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