quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Desastre revela controle ineficaz de barragens: Editorial | O Globo

É positiva decisão da Vale de esvaziar reservatórios construídos com método semelhante ao de Brumadinho

Quatro dias após o rompimento da Barragem da Mina do Feijão, que já deixou 99 mortos e quase 260 desaparecidos, a Vale anunciou que, em até três anos, acabará com todos os reservatórios de rejeitos de mineração construídos pelo mesmo método do de Brumadinho (alteamento a montante), considerado inseguro e banido de países como o Chile. Desde o desastre de Mariana, em 2015, nove já foram esvaziados, restando ainda dez. Embora o processo estivesse em andamento, a decisão de acelerá-lo é fundamental para preservar a segurança junto a essas represas.

Medida acertada, sem dúvida. Mas é apenas parte do problema. Após a tragédia de Brumadinho, é certo que políticas de segurança, sistemas de fiscalização e planos de contingência foram todos soterrados pela enxurrada de lama que vazou sexta-feira. Parece evidente que o monitoramento dessas estruturas é tão frágil quanto as próprias.

A barragem do Feijão era classificada, nos relatórios da Agência Nacional de Mineração (ANM) como “de baixo risco” e “alto dano potencial”. Significa que a probabilidade de rompimento era pequena, mas, se ele acontecesse, a destruição seria grande. A segunda parte ficou comprovada. Mas, a esta altura, pergunta-se se era mesmo debaixo risco. Na terça-feira, a polícia prendeu funcionários da Vale e engenhei rosque atestaram a segurança da barragem. Investigadores apuram se houve negligência na elaboração dos laudos.

Independentemente da exatidão desses diagnósticos, o cadastro da ANM mostra que existem 175 barragens de mineração classificadas da mesma forma que a de Brumadinho. E há situações ainda mais graves. Pelo menos dois reservatórios de rejeitos de minério de ouro em Rio Acima (MG), nos arredores de Belo Horizonte, têm o nível de alerta máximo (risco e dano potencial altos). Duas bombas-relógio.

A situação evidentemente preocupa porque, em caso de rompimento, essas estruturas se tornam extremamente letais. Daí a importância dos planos de contingência para retirada da população vulnerável. Mas eles também parecem ter sucumbido na maré de negligência em Brumadinho. Sobreviventes relatam que as sirenes não soaram.

Ao menos agora, parece haver um consenso sobre a urgência de se mudarem todos esses procedimentos. Na terça-feira, o governo federal anunciou um conjunto de medidas nessa área. Uma delas, a fiscalização de 3.386 barragens com alto potencial de danos — o país tem quase 24 mil reservatórios.

De fato, o momento exige respostas à altura. Mas o passado assombra. Depois do desastre de Mariana, que matou 19 pessoas e deixou um rastro de destruição sem precedentes, muito se anunciou, e pouco se fez. Apenas 3% das barragens foram vistoriadas. E os projetos que tramitavam na Câmara e no Senado, com objetivo de tornara legislação mais rigorosa, não avançaram.

Se depois de Mariana já não havia margem para erros, agora existe menos ainda. Ou se aumenta, de uma vez por todas, o controle sobre a segurança de barragens, ou a próxima tragédia será apenas uma questão de tempo.

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