domingo, 20 de janeiro de 2019

Dorrit Harazim: Não estava tudo dominado

- O Globo

Em meio ao indigesto vendaval, o presidente surge um tanto atordoado com a evolução de um novelo que talvez esperasse aquietar-se

Fosse o episódio de menor relevância, seria o caso de perguntar o que andam fumando os advogados de Flávio Bolsonaro — junto ou em separado do cliente. O pedido de suspensão pelo STF da investigação sobre movimentações financeiras atípicas de Fabrício Queiroz, o encrencado ex-assessor do então deputado estadual e hoje senador, mais parece fruto de uma bad trip do que uma estratégia de defesa de causídicos para o filho 01 do presidente da República. Ficou escancarado que tem uma nau à deriva.

Como se sabe, o pedido de suspensão foi acatado pelo plantonista no atual período de recesso da Corte, ministro Luiz Fux, a quem caberá conviver com esse apêndice na biografia. A partir de 1º de fevereiro, o caso passa a ser examinado pelo relator Marco Aurélio Mello, a quem caberá a palavra final sobre o domicílio jurídico da investigação. O time Bolsonaro pleiteia que ela deve migrar para o Supremo sob escudo do foro privilegiado reservado a deputados federais e senadores. Ou então a investigação prossegue sob a lupa do Ministério Público fluminense, onde originou. Como previsto, caudalosos argumentos jurídicos dos dois lados não faltam, da mesma forma que sempre é possível desenterrar estatísticas radicalmente opostas a respeito de qualquer causa.

Mas chama atenção no jabuti entregue a Fux, além do súbito apreço pela figura do foro privilegiado, que ainda em 2017 o hoje presidente Jair Bolsonaro tachava de “privilégio porcaria”, o pedido de “ilegalidade das provas e de todas as diligências de investigação determinadas a partir dela”. Como assim? Zerar tudo? Mas tudo o quê? A perplexidade faz voar alto a imaginação.

Desde a revelação publicada no “Estado de S.Paulo” em dezembro sobre a movimentação bancária atípica de Queiroz, passando pela abertura da investigação de 28 deputados listados na planilha do Conselho do Controle de Atividades Financeiras (Coaf), nada do pouco que chega ao conhecimento público parece fazer sentido. Sobretudo no caso de Queiroz, o ora esquivo ora loquaz ex-assessor parlamentar, dublê de motorista e autodeclarado talento para fazer dinheiro. Qualquer advogado de porta de cadeia poderia prever que a curiosidade geral se afunilaria em personagem tão próximo do clã do presidente, e que seria imperioso tomar alguma dianteira, mesmo que apenas cosmética, para saciar o interesse.

Seja por presunção de mando, por certeza de poder alterar a pauta da mídia ou domar a curiosidade nacional, o time Bolsonaro escolheu o caminho inverso: o de varrer para debaixo do tapete uma trama na qual existe um cheque de R$ 24 mil de Queiroz na conta da atual primeira-dama, em que duas filhas e a mulher do ex-assessor têm protagonismo, e nove funcionários do gabinete do filho do presidente recém-eleito repassam dinheiro para Queiroz em datas suspeitas. Noves fora o resto.

Primeiro Queiroz é sumido, não comparece a depoimentos agendados, e reaparece num quarto do hospital Albert Einstein em São Paulo, convalescendo inclusive de uma cirurgia. Flávio Bolsonaro, por seu lado, afirma ter recebido uma versão plausível dos fatos e desdenha dois convites do Ministério Público para prestar depoimento, enquanto outros deputados também convocados acham mais prudente “colocar-se à disposição das autoridades”. Em meio ao indigesto vendaval, o presidente surge um tanto atordoado com a evolução de um novelo que talvez esperasse aquietar-se.

A este respeito, cabe, aqui, ressuscitar um ponto levantado pelo deputado federal Paulo Pimenta sobre a data em que Queiroz foi exonerado do gabinete de Flávio Bolsonaro: entre o primeiro e o segundo turnos da eleição do ano passado. Mais precisamente, 20 dias antes do início da operação que investiga o esquema de ilícitos na Assembleia fluminense. O parlamentar gaúcho, por arguto ou por petista, estranhou o fato de uma filha de Queiroz, Nathalia, também ter pedido demissão do cargo que ocupava em Brasília no gabinete de Jair Bolsonaro, no mesmo dia que o pai. Alguém teria sido avisado da ação da Furna da Onça que seria desencadeada pela Polícia Federal em conjunto com o Ministério Público?

Se foi e achou que estava tudo dominado, perdeu.

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