domingo, 6 de janeiro de 2019

Entrevista Roberto Romano: ‘Não vejo inovação na prática do Bolsonaro’

Para estudioso da democracia no Brasil, é cedo para dizer se governo vai adotar o figurino populista nacionalista

Thiago Herdy | O Globo

SÃO PAULO - O populista nacionalista se diz a voz do povo contra as elites, crítico do Congresso e do Judiciário. Trata opositores não como adversários, mas inimigos. Cientistas políticos colocam nesse time Donald Trump (EUA), Rodrigo Duterte (Filipinas) e Viktor Orbán (Hungria), entre outros. Só daqui a seis meses, será possível saber se o presidente Jair Bolsonaro vestirá a mesma camisa, na avaliação do professor de Filosofia Política e Ética na Unicamp Roberto Romano.

• Bolsonaro é um populista nacionalista?

Essa tentativa de falar diretamente para a massa, colocando em curto circuito o relacionamento institucional com a Justiça e com o Congresso, é uma herança da Era Vargas, interrompida durante a Ditadura Militar e retomada na redemocratização. Não vejo inovação na prática do Bolsonaro. Uma radicalização retórica, sim. Inclusive do ponto de vista do discurso, é contínua essa utilização da divisão entre elite corrupta e população explorada. O modus operandi não inova, o que inova é a radicalidade do discurso doutrinário ideológico.

• O Bolsonaro da campanha é o mesmo da Presidência?

O discurso ideológico que foi retomado nas falas do Congresso e do parlatório é profundamente doutrinatório. Não indica uma agenda de um governo disposto a se definir como representante da totalidade dos brasileiros, um ponto preocupante. Por outro lado, há tentativa de auxiliares e ministros de estabelecer um diálogo que não seja só ideológico, propondo coisas que têm alcance técnico e uma forma, digamos, mais maleável de trato com forças políticas e sociais brasileiras.

• Poderia dar um exemplo?

Onyx Lorenzoni, ministro da Casa Civil, ora usa uma linguagem violenta, como é o caso de “despetizar” o governo, depois chama a atenção para o diálogo com a oposição. Já é uma espécie de identificação da sintaxe do governo, que anuncia a percepção da distância entre a pregação doutrinária e a realidade efetiva do Estado e da sociedade brasileira. Temos alguns sinais de que adaptações podem ocorrer. Se essas adaptações não acontecerem, será um governo crispado em suas certezas e autoritário. Caso contrário, se ele aceitar essas tentativas técnicas de inovação — como parte da economia e da política — podemos ter um governo de menor teor autoritário.

• As hesitações do governo têm consequências?

Numa situação de presidencialismo é algo preocupante, mas não é novidade. No governo Fernando Henrique, um dos garantidores de sua eleição, Mário Covas, se chocava frequentemente com Pedro Malan. Luiz Inácio Lula da Silva, contrariamente a toda ortodoxia da esquerda que o levou ao poder, indicou o Henrique Meirelles para o Banco Central. Hoje, é muito saliente que você tem o grupo dos militares, uma tendência mais técnica. Até mesmo o vice Hamilton Mourão, que foi tão enfático em aspectos doutrinários, está mais prudente. Paulo Guedes é uma linha técnica. O chanceler Ernesto Araújo é profundamente ideológico e doutrinário. Então, o que está acontecendo, neste momento, é uma adequação tectônica, ajustes de vários grupos com seu poderio parcial. Não se sabe o resultado em termos de modus operandi administrativo, político e inclusive ideológico.

• Esses grupos não estão unidos do ponto de vista ideológico, pela direita?

É difícil colocar um padrão único para pessoas com histórias distintas. Os militares têm uma ética e uma forma hierarquizada de pensar, herança que vem já dos positivistas, de pensar em termos científicos. Não há uma identidade plena com os grupos liderados pelo atual chanceler, nutridos de um pensamento ligado a Olavo de Carvalho. Já Onyx viveu no Congresso em permanente tensão e diálogo com vários grupos, inclusive com a esquerda. Há várias estratégias se enfrentando. O resultado vem daqui seis meses, quando fracassos e sucessos começarão a aparecer.

• Quais as chances de sucesso?

Está tudo em aberto. Você tem o desenho de estratégias, mas elas não foram transformadas em tática e, portanto, em coisas passíveis de serem avaliadas. Uma coisa é propor um plano estratégico de economia. Outra é negociar isso com os ruralistas, com os empresários, com os trabalhadores.

• E o alinhamento com líderes populistas?

O plano defendido pelo chanceler, de unidade automática com os interesses americanos, será muito difícil. Se você compra o isolacionismo em relação à China, vai ter problemas com os que produzem soja no Brasil e que exportam para lá. Mesma situação da transferência da embaixada para Jerusalém. O Trump vai encontrar resistência em termos internacionais, mas ele dirige uma superpotência. O Brasil não tem isso.

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