quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

Isabel Versiani: Pauta animada desafia "nova política"

- Valor Econômico

Agenda micro pode conter ansiedade com Previdência

As metas para os primeiros 100 dias de governo divulgadas na última semana não dão a medida exata da labuta que aguarda os deputados e senadores que tomam posse na sexta-feira. Das 35 iniciativas listadas em documento divulgado pelo ministro Onyx Lorenzoni (Casa Civil), apenas cinco já exigem o aval dos parlamentares e não há na lista referência às reformas previdenciária e tributária, apontadas como prioridades pelo governo. Ainda assim, entre as propostas que demandam aprovação há projetos prementes e não triviais.

Fora da seara econômica, o maior destaque é o projeto de lei anticrime do ministro Sergio Moro. O texto tratará da elevação de penas e de outras iniciativas para aumentar a eficácia do combate ao crime organizado e à corrupção, temas que estão no DNA do bolsonarismo. A proposta é peça importante da estratégia da gestão Moro, que por sua vez é um dos pilares do atual governo, ao lado do ministro Paulo Guedes. O avanço do projeto, portanto, é fundamental e sua tramitação de certa maneira concorrerá com a Previdência nos esforços por mobilização política e de comunicação. Com uma proposta já em estágio avançado, Moro saiu na frente e convidou os governadores para apresentação do projeto na próxima semana.

Na economia, para além das reformas previdenciária e das medidas tributárias, que precisarão dominar as atenções, há outros temas na pauta. O Congresso terá de aprovar a medida provisória que estabeleceu medidas para facilitar o combate a fraudes nos benefícios do INSS. O texto traz uma série de ajustes nas regras que racionalizam processos, mas também restringem alguns benefícios, o que deve levantar algum debate. Duas outras metas dos 100 dias envolvem o Banco Central. Uma delas é a aprovação da independência da autarquia, considerada importante para blindar a política monetária de ingerência política. A questão desperta hoje menos polêmica do que no passado, mas o governo Michel Temer não teve sucesso em seus esforços para aprovar a mudança. O próprio presidente do Banco Central, Ilan Goldfajn, já afirmou que o fato de a instituição já ser vista como autônoma de facto tende a jogar contra o senso de urgência no tratamento político da questão.

Outro projeto da lista de metas estabelece mudanças nos critérios para nomeação de dirigentes de bancos públicos, estendendo a essas instituições a exigência de submeter ao Banco Central os nomes dos executivos indicados para assumir cargos de direção. A regra, já válida para instituições privadas, busca assegurar que os executivos no comando atendam a critérios técnicos mínimos necessários. A mudança está em linha com processos que já estão sendo adotados na prática. A Caixa, onde indicações políticas prevaleciam, alterou seu estatuto há um ano para estabelecer procedimentos técnicos para a escolha dos seus vice-presidentes.

Ainda que tenha ficado de fora da agenda do ministro Onyx, o governo também terá de atuar com uma certa urgência para fazer avançar projeto em tramitação no Congresso que adequa regras de combate à lavagem de dinheiro e ao terrorismo do país a recomendações feitas pela Organização das Nações Unidas (ONU). O Brasil está sendo pressionado pelo Grupo de Ação Financeira Internacional (Gafi) a aprovar essas normas mais duras, sob a ameaça de cobrança de multas e até de expulsão da entidade. O assunto foi tema de reuniões entre o presidente da entidade, Marshall Billingslea, Moro e Goldfajn há cerca de dez dias.

Outra possível frente de batalha no Congresso será a cessão onerosa do pré-sal. O governo Bolsonaro ainda não deixou claro se procurará concluir a aprovação do projeto que dirime dúvidas sobre as regras de revisão do contrato da cessão onerosa entre Petrobras e União. O texto é considerado importante para dar segurança jurídica ao megaleilão de excedentes de petróleo em blocos da cessão onerosa que o governo pretende fazer no final do ano e que pode render até R$ 100 bilhões para os cofres públicos. O projeto empacou no Senado na última legislatura em meio a desentendimentos com os Estados sobre as regras de partilha dos recursos.

Para o cientista político Rafael Cortez, da consultoria Tendências, alguns dos temas da agenda microeconômica são a princípio de mais fácil aprovação do que reformas como a previdenciária, por exigirem quórum menor e não criarem perdedores e ganhadores tão evidentes. Nesse sentido, afirma, os projetos podem ser úteis para viabilizar entregas mais céleres de iniciativas bem vistas pelo mercado, e conter assim a ansiedade que pode ser gerada pelo encaminhamento naturalmente mais lento da reforma previdenciária -sobretudo se o governo optar por encaminhar uma nova reforma, desvinculada do texto já em tramitação.

Mas Cortez alerta que a tramitação dos temas exige forte articulação para garantir que os textos mantenham a coesão e não cheguem ao plenário desfigurados, como já aconteceu no passado com inúmeras medidas provisórias. E na questão articulação com o Congresso o que se tem até o momento é uma grande incógnita. Com uma base muito heterogênea no Congresso e a promessa de não recorrer mais às práticas da "velha política" para congregar apoio, o governo Bolsonaro ainda terá de mostrar como vai influenciar corações e mentes na Câmara e no Senado.

As potenciais dificuldades aumentam com a agenda negativa alimentada pelas revelações recentes envolvendo o senador eleito Flávio Bolsonaro, filho do presidente. Por fim, a tragédia em Brumadinho também pode complicar o cenário político, alimentando pressões legítimas por uma mobilização voltada para o endurecimento da legislação ambiental e regulatória, na contramão do que vinha sendo defendido pelo governo. É nesse cenário que os congressistas entrarão em cena enquanto o presidente convalesce em São Paulo.

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