sexta-feira, 4 de janeiro de 2019

Míriam Leitão: O tempo da política e o da economia

- O Globo

Prolongamento da lua de mel de Bolsonaro com o Congresso dependerá da recuperação da economia e de melhora na segurança

O jeito Paulo Guedes de ser ministro é diferente de qualquer outro que se tenha visto, avisa o economista Gustavo Franco. O cientista político Carlos Melo acha que na política não há uma forma nova de montar a coalizão, como o governo tem dito. Franco acredita que a equipe econômica tem muitas medidas na mão para divulgar e, com isso, manter o otimismo na economia. Melo acha que a duração da lua de mel política vai depender do que acontecer na economia.

Reuni os dois, o economista e o cientista político, no meu programa na Globonews, para entrevistá-los sobre o governo Jair Bolsonaro e a realidade que ele enfrentará nas duas áreas. Gustavo Franco, que fez parte da equipe do real, explica que até improvisar no discurso de posse, como Guedes fez, não é usual:

— Não conheço nenhum outro ministro da Fazenda que tenha assumido falando de coração, com essa espontaneidade e com todos os riscos que isso traz. Dá uma legitimidade ao que ele fala que é impressionante. A grande dúvida é a latitude que ele tem para levar isso adiante no ambiente político aonde ele se insere.

Gustavo Franco diz que no governo está tudo ainda confuso, porque seus integrantes são pessoas diferentes entre si, mas “unidas pelo antipetismo”:

— Estranhamente organizou-se uma agenda positiva através da negação. Fazer o contrário do que o PT fez tornou-se o programa, quando não se tem uma ideia precisa do que fazer.

Carlos Melo, do Insper, não acredita que na política funcione a tentativa de fazer diferente, ou seja, de negociar a coalizão através das bancadas:

— Vamos ver se vai funcionar, até hoje não funcionou. Se vier a dar certo ele inaugura algo novo que nós ainda não sabemos qual a dinâmica que vai assumir. A dificuldade é que tudo no Congresso nacional se dá através dos partidos. A definição das comissões, quem vai presidir, quem serão os relatores dos projetos, tudo passa pelo colégio de líderes, pelos partidos. Os partidos podem estar em crise, mas ainda não se inventou algo que os substitua.

O cientista político lembra que, como o nome diz, as bancadas temáticas se unem por temas muito específicos, mas se dividem em outros assuntos. Melo não acredita que se possa prescindir dos partidos e apostar em uma nova forma de fazer acordo no Congresso.

Gustavo Franco acha que o ministro Paulo Guedes não quis falar em plano B quando apontou o projeto de desvinculação das receitas, na eventualidade de não se aprovar a reforma da Previdência. Ele entendeu que Guedes apenas estava raciocinando por absurdo:

— Acho que ele estava mais especulando do que falando em um plano B. Era uma forma elegante de dizer que, como tem o teto de gastos, se não for aprovada a reforma da Previdência será o caos orçamentário. Era um artifício retórico para dizer que não tem outro jeito de fazer.

O primeiro desafio político a ser enfrentado pelo governo Bolsonaro é a eleição para as presidências das Casas do Congresso. Carlos Melo lembra que a informação de que o PSL apoiou a candidatura de Rodrigo Maia, e que para isso teria recebido a promessa de vários postos na mesa e nas comissões, foi dada apenas pelo PSL. Maia não confirmou:

— Rodrigo Maia está numa situação confortável. Se o governo o apoia, ele faz maioria e ganha. Se não apoia, com 157 votos da oposição e mais o centrão, ele faz maioria e ganha a eleição.

Para Carlos Melo, o que está em curso é, na verdade, um movimento de adesão do governo à candidatura de Maia. Mas que o PSL tem que dizer para a bancada, para o eleitor de Bolsonaro, que eles saíram ganhando na negociação. Ele acha pouco provável que o Rodrigo Maia tenha oferecido tanto em troca dos votos do PSL:

— Não é o governo que quer menos toma-lá-dá-cá? Por que o Congresso daria a faca, o queijo, o guardanapo, o copo de leite, tudo na mão do governo logo de cara?

Gustavo Franco acha que a equipe econômica pode soltar medidas que não dependem do Congresso e que consigam criar um ambiente de recuperação econômica, uma primavera. Se esse cenário positivo ocorrer, diz Melo, e houver melhora na segurança, “a rua ficará simpática” e vai pressionar o Congresso em favor das propostas do governo. Mas se o cenário não for de melhora rápida na economia, e na segurança, a lua de mel se encurta.

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