sexta-feira, 11 de janeiro de 2019

*Monica De Bolle: Pátria Amada, Brasil

- Época

Desse modo, tenta-se fazer das mudanças climáticas tema tão contencioso quanto o aborto ou o porte de armas.

Dizem que Jair Bolsonaro gostaria de ter escolhido “ordem e progresso” como o chamariz de seu governo. Não podendo usar o lema positivista da bandeira devido à indelével associação com o governo anterior, teria então escolhido “Pátria Amada, Brasil”, trazendo imediatamente à mente “salve, salve” e “deitado eternamente em berço esplêndido”, trechos do Hino Nacional adjacentes à exaltação nacionalista escolhida pelo presidente.

Acredito que o presidente tenha feito melhor escolha no uso da exaltação nacionalista. Afinal, Bolsonaro é fruto do nacionalismo que ressurge globalmente desde 2016, ainda que o nacionalismo em si seja antigo conhecido da humanidade. Autores, filósofos, pensadores políticos tratam dele há séculos. No século XIX, pensadores como o americano Alexander Hamilton e o alemão Friedrich List defenderam o nacionalismo, sobretudo em sua modalidade econômica, provendo substância e racionalidade às medidas que os dois países emergentes de outrora pretendiam pôr em prática. Sim, a Alemanha e os Estados Unidos foram os emergentes do século XIX, em contraposição à Grã-Bretanha, a potência liberal de outrora. Hoje o nacionalismo avança, ainda que em ritmo diferenciado e dando maior ou menor ênfase a temas variados, que vão do protecionismo comercial às guerras culturais e identitárias. A pátria amada bolsonarista não é exceção, sobretudo quando tenta imitar gestos de outros países tragados por versão esquisita do nacionalismo, como os EUA de Trump.

O filósofo britânico e tcheco Ernest Gellner definiu o nacionalismo como “a imposição de uma cultura de domínio universal e de um idioma comum por meio de um sistema nacional de educação”. Tal requisito, por sua vez, “demandaria a criação de instituições nacionais e o surgimento de uma economia nacional”. Segundo o filósofo, “tal ideologia não apenas acompanharia, mas promoveria um modo de vida mais flexível à medida que a velha economia agrária desaparecesse”. O nacionalismo, portanto, teria sido “uma das parteiras da modernidade industrial”. Curioso que, cerca de 150 anos após a Revolução Industrial, o modo de vida mais flexível ao qual se referia Gellner requeira, justamente, o globalismo severamente atacado pelos ultraconservadores nacionalistas da “nova” direita.

Fazem parte dos ataques ao globalismo o repúdio das questões identitárias; o rechaço à imigração como algo capaz de trazer prosperidade econômica e diversidade cultural; e a negação de evidências científicas a respeito dos temas climáticos. Com o bolsonarismo, desabrocha essa visão de mundo. Afloraram no Brasil os embates sobre costumes e identidade associados à direita religiosa que hoje oxigena a ascensão do ultraconservadorismo, tantas vezes atrelados ao nacionalismo ressurgente.

Afloraram também no Brasil o repúdio à imigração e aos estudos científicos que apontam inequivocamente para os riscos crescentes das mudanças climáticas. Quem diz tudo isso são alguns dos ministros escolhidos pelo presidente, em particular, Ernesto Araújo, o ministro das Relações Exteriores. Como havia prometido Ernesto, xará de Gellner, o Brasil acaba de se retirar do pacto migratório da ONU. Disse Bolsonaro durante a campanha que o Brasil deixaria o Acordo de Paris sobre o clima, conforme fizera Trump.

À diferença do primeiro, entretanto, o clima não é questão de fé. À diferença do segundo, o clima nada tem a ver com a sensação de sentir-se mais seguro ou poderoso por poder portar no coldre um revólver enquanto sentado no banco de trás de um Rolls-Royce.

O debate sobre mudanças climáticas é o principal tema de discussão hoje nos fóruns internacionais. Bolsonaro dele não escapará em sua breve visita a Davos. Empresas de óleo e gás sabem que terão de alterar seus modelos de negócios e estão investindo em energias renováveis. Montadoras estão investindo na fabricação de veículos elétricos. O Banco Mundial está reduzindo o financiamento para setores que geram impactos perversos para o clima e para o meio ambiente, tendência que tem aumentado também entre instituições financeiras privadas. Em breve, o custo econômico de negar as mudanças climáticas aumentará, enquanto os benefícios de reconhecer as evidências científicas também devem subir.

Que o nacionalismo de quinta da Pátria Amada, Brasil sucumba ao menos à nova realidade econômica global.

*Monica De Bolle é diretora de estudos latino-americanos e mercados emergentes da Johns Hopkins University e pesquisadora sênior do Peterson Institute for International Economics

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