terça-feira, 29 de janeiro de 2019

Nilson Teixeira*: No fiscal, não há plano B sustentável

- Valor Econômico

Os governos federal e dos Estados têm preferido promover alquimias contábeis a adotar ajustes dolorosos

O desempenho fiscal do setor público tem sido muito desfavorável nos últimos anos. O superávit primário médio entre 2001 e 2013 foi de 2,9% do PIB ao ano - variando entre 1,7 % do PIB em 2013 e 3,7% do PIB em 2005, suficiente para estabilizar a dívida pública como proporção do PIB. Desde 2014, o setor público tem apresentado elevado déficit primário como percentual do PIB: 0,6% em 2014, 1,9% em 2015, 2,5% em 2016, 1,7% em 2017 e previsto 1,8% em 2018. Essa dinâmica contribuiu para o aumento da dívida bruta do governo geral de 52% do PIB em 2013 para estimados 77% do PIB em 2018. Em parte, essa deterioração deveu-se a políticas erradas do governo Dilma e à insustentável expansão dos benefícios sociais, inclusive previdenciários.

A participação das despesas obrigatórias no total de gastos do governo federal tem crescido continuamente, alcançando quase 80% em 2018. O mesmo ocorre com a proporção dos gastos relativos à Previdência Social e à folha de pagamentos, que alcança cerca de 70%. Enquanto isso, a parcela efetivamente discricionária diminuiu para menos de 10%. Desse total, os investimentos públicos recuaram muito e, hoje, representam bem menos do que 5% dos gastos.

Nos últimos dois anos, o governo Temer reduziu a expansão de vários benefícios sociais ao eliminar desvios e distorções na concessão de diversos auxílios oferecidos pelo Estado, através de uma extensa auditoria e da melhoria dos métodos de concessão desses benefícios. O governo Bolsonaro também espera cortar distorções em mais 0,15% do PIB. Apesar disso, a contribuição nos próximos anos para o recuo do déficit primário advindo da fiscalização e do corte de investimentos públicos é limitada e tende a sumir.

A sustentabilidade fiscal só será conquistada com um forte contingenciamento da expansão dos gastos. Mesmo sem esses ajustes, porém, o déficit primário pode diminuir por um período curto com ações pelo lado da receita. A reversão desse déficit em 2019 e 2020, por outro lado, é mais difícil e depende de um crescimento brutal das receitas fiscais, em particular das não administradas, com a venda, por exemplo, do excedente de petróleo do contrato do Estado com a Petrobras.

Mas isso não representaria um ajuste permanente e nem a forma mais adequada de melhorar as condições fiscais. O ideal seria utilizar os recursos da venda de direitos, empresas ou concessões na criação de um fundo para investir em programas dedicados, por exemplo, à melhoria da qualidade da educação. Todavia, não há espaço para isso em um país com déficit primário alto e com uma dívida pública elevada e crescente. A prioridade tem de ser a reversão do déficit fiscal. Do contrário, teríamos o mesmo engodo observado na criação do fundo soberano em 2008, que foi utilizado com fins dissonantes do seu objetivo.

A sustentabilidade fiscal estaria garantida nos próximos 10 anos caso fosse possível seguir a regra, aprovada no Congresso em 2016, de crescimento zero em termos reais dos gastos públicos. Não obstante, o cumprimento da regra só será possível caso o déficit previdenciário e a folha de pagamentos do governo federal deixem de crescer em termos reais.

O problema é que os governos federal e de vários Estados têm preferido flexibilizar regras ou promover alquimias contábeis a adotar ajustes fortes e dolorosos. A meta de superávit primário, por exemplo, foi contornada nos dois governos anteriores. Esses governos alteraram essas metas ou criaram manobras para cumpri-las. O desrespeito não teve reação negativa da sociedade e muito menos dos congressistas. A aprovação dessas propostas foi fácil. Isso reforça a avaliação de que, caso necessária, a flexibilização da regra do crescimento zero seria simples e não sofreria oposição firme da sociedade e nem da maioria dos parlamentares. Assim, a expectativa de sustentabilidade fiscal baseada simplesmente na hipótese de cumprimento dessa regra por um período longo é frágil.

Os participantes de mercado têm sido condescendentes com o país. No passado, os analistas projetariam um quadro de dominância fiscal e de crise caso ocorresse um cenário, como o atual, de elevado déficit primário por quase dez anos. Hoje, a dinâmica dos preços de mercado sugere algo bem diferente. A avaliação é de que a reforma da Previdência Social e o controle da folha de pagamentos do governo federal serão bem-sucedidos e suficientes para evitar um aumento dos gastos públicos em termos reais. No entanto, esse cenário está longe de garantido.

A fragilidade das contas públicas não se restringe ao governo federal. As contas de vários Estados estão desequilibradas, com sete deles já tendo decretado calamidade financeira. Há poucos anos, muitos desses (e.g., Goiás) tinham ajustes tidos como exemplares. A rapidez dessa deterioração deveu-se ao declínio das receitas e à expansão das despesas previdenciárias e da folha de pagamentos. Essa dinâmica comprova a fragilidade dos ajustes e a baixa capacidade de monitoramento oferecida pela Lei de Responsabilidade Fiscal.

Em suma, o programa do Ministério da Economia tem levado a maioria dos participantes de mercado a assumir uma dinâmica fiscal benigna. A crença é que o presidente, seu time político e a sociedade e seus representantes no Congresso serão convencidos sobre a urgência da aprovação dos ajustes fiscais, a começar pela reforma da Previdência Social. No entanto, o passado recente demonstra que a resistência de vários grupos de interesse na defesa de seus privilégios e benefícios tem sido bem-sucedida, o que torna a aprovação de uma ampla reforma mais incerta do que parece embutido nos preços de mercado.

A esperança é que o governo seja beneficiado neste seu início pelo tradicional período de graça ou lua de mel com o Congresso, de forma a facilitar a aprovação das primeiras medidas submetidas à sua apreciação. Se isso não ocorrer, é difícil que haja um plano B capaz de impedir uma crise fiscal mais adiante.

*Nilson Teixeira Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia,

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