sábado, 26 de janeiro de 2019

Rachaduras do modelo chileno

Sociólogo questiona reputação do Chile de ser país de classe média

Por Jorge Felix | Valor Econômico

SÃO PAULO - O modelo econômico chileno costuma encher os olhos de muitos economistas, especialmente do governo Bolsonaro. Um dos argumentos mais citados é o de que o liberalismo, adotado desde os anos 80, com privatizações (inclusive da Previdência Social), acordos bilaterais e redução do papel do Estado, sobretudo na área social, havia feito do Chile um país de classe média.

Quase 40 anos depois, os resultados de pesquisas econômicas, as aposentadorias de valores abaixo do salário mínimo e uma desigualdade social crônica empurram a economia do país para uma flexibilização de seu modelo. Até o presidente Sebastián Piñera aceitou debater mudanças no sistema privado de previdência para as empresas, até hoje liberadas de obrigação, para que passem a contribuir com um percentual na conta de capitalização dos trabalhadores.

Uma das pesquisas de maior impacto é a empreendida pelo sociólogo Pablo Pérez Ahumada, professor da Universidade Alberto Hurtado, sob o título "Classes Sociais, Setores Econômicos e Mudanças na Estrutura Social Chilena entre 1992 e 2013".

O estudo está sendo considerado uma importante reflexão sobre os resultados do modelo chileno e foi publicado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), no mês passado, com revisão de Erik Olin Wright, professor emérito da Universidade de Wisconsin e uma das maiores autoridades mundiais no tema. "Dizer que o Chile é um país de classe média é altamente questionável", diz Pérez.

Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista concedia ao Valor:

Valor: O Chile cresceu, em média, 4% ao ano nas duas décadas pesquisadas. Como analisa a qualidade desse crescimento do PIB e como isso repercutiu no mercado de trabalho?

Pablo Pérez Ahumada: O paradoxo do caso chileno é que essas taxas de crescimento econômico, altas e estáveis para o contexto regional, não se traduziram necessariamente em maiores níveis de proteção para os trabalhadores. Por exemplo, estatísticas da Fundação Sol mostram que quase a metade dos empregos criados entre 2010 e 2015 foram empregos terceirizados, ou seja, regidos por uma modalidade de subcontratação. As mesmas estatísticas mostram que, em 2016, 70% dos trabalhadores assalariados ganhavam menos de 500 mil pesos chilenos [equivalente a US$ 750 para um salário mínimo de 286 mil pesos]. Isso é muito pouco se se considera que o Chile é um país onde a maior parte dos serviços sociais está privatizada e tem um custo alto. O Chile é, de fato, o país mais caro da América Latina. É o país da região onde o poder aquisitivo dos trabalhadores é menor.

Valor: Os defensores do modelo econômico do Chile, sobretudo depois da década de 80, citam o PIB per capita de US$ 15 mil como um parâmetro para medir o sucesso desse modelo. Como analisa essa referência?

Pérez: Um nível elevado do PIB não significou necessariamente aumento igualitário dos níveis de bem-estar de toda a população. Por exemplo, apesar de seu incremento constante do PIB, o Chile tem um nível de desigualdade de Gini de 47,7, isto é, similar ao de Guatemala, Paraguai, Honduras e Brasil. Como referência, o Gini médio dos países da OCDE é de 34,5.

Valor: Qual tem sido o principal fator que mantém o país como um dos mais desiguais da OCDE?

Pérez: As pesquisas mostram que o fator que afeta diretamente a desigualdade é a ausência de políticas redistributivas fortes por parte do Estado. Por exemplo, no Chile, o índice de Gini antes da ação redistributiva estatal é de 50 e, depois dela, de 47,7. Isto é, o índice de Gini diminui menos de 3 pontos. Em países com políticas redistributivas fortes, como os escandinavos, o Gini antes e depois diminui de 50 a até 26, na Finlândia, ou de 43 a 27, no caso da Suécia. Essa redução se observa inclusive em países com política social tradicionalmente liberal, como os Estados Unidos, de 51 para 39. Outro fator que incide na desigualdade é a inexistência de movimento sindical forte. Pesquisas em todo o mundo demonstraram que a desigualdade é maior em países onde o sindicalismo é débil, há negociação de forma fragmentada, isto é, por empresas, onde existe baixa incidência de acordos coletivos. O Chile é o exemplo disso.

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