quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

Uma política externa de alto risco, por ir contra tradições do Itamaraty: Editorial | O Globo

Chanceler toma posse com citações em latim, grego e tupi, e de autores ecléticos, como Anchieta e roqueiros

Um caso até irônico de decisão equivocada do presidente Jair Bolsonaro, numa repetição de erro cometido pelo antecessor e oposto ideológico Luiz Inácio Lula da Silva, é ceder o Itamaraty e a diplomacia a bolsões radicais de seu grupo político. Com Lula, a experiência dos diplomatas Celso Amorim e Samuel Pinheiro Guimarães foi posta a serviço do bolivarianismo, com o suporte de Marco Aurélio Garcia, colocado no Planalto como assessor especial de Lula e Dilma. A troika foi responsável pelo tratamento privilegiado a Chávez/Maduro e a ditadores africanos, em nome do terceiro-mundismo. Política que levou empreiteiras brasileiras a fazerem a festa, e também a exportarem para países latino-americanos escândalos de corrupção, no modelo do petrolão, desbaratado pela Lava-Jato.

No governo Bolsonaro, assume o Itamaraty o relativamente jovem embaixador Ernesto Araújo, mas de pensamento antigo, muito conservador. Incensa o presidente americano Donald Trump, que seria, na sua visão, o paladino do Ocidente, responsável pelo resgate da civilização ocidental, da fé cristã e de outras tradições nacionais, por meio da “cruz e da espada”. Qualquer semelhança com as Cruzadas não parece coincidência. Passa-se a respirar ares dos primeiros séculos da Era Cristã no Palácio dos Arcos, sede do Ministério das Relações Exteriores.

Na posse, ontem, Araújo proferiu um discurso de padrão inédito no Itamaraty, com citações em latim, grego e tupi — a língua indígena, certamente para reforçar seu fervor nacionalista. Entre os citados, os roqueiros brasileiros Renato Russo e Raul Seixas apareceram ao lado de José de Anchieta e Dom Sebastião. Este, um combatente de muçulmanos, alvo implícito do novo chanceler, defensor do Ocidente, dentro da também velha visão do “choque de civilizações”. Araújo vem romper tradições do Itamaraty, como o multilateralismo.

Guinadas como esta têm seu custo. Ao ressuscitar um ultrapassado alinhamento automático com a Casa Branca, por exemplo, esquece-se de que o Brasil não tem os recursos de poder dos Estados Unidos, a maior potência militar e primeira economia, para enfrentar a China, alvo de críticas de Bolsonaro. Seguir Trump e anunciar a mudança da embaixada brasileira para Jerusalém, por sua vez, é uma afronta ao bloco árabe, e isso também tem um preço, pois o país é grande exportador de alimentos para o bloco. Nada fica impune neste universo. O terceiro-mundismo e antiamericanismo obsessivos da era lulopetista levararam o Brasil a apostar na rodada de liberalização comercial, via OMC (Rodada de Doha), e a não explorar acordos bilaterais. Perdeu. Agora, volta a fazer apostas fora da tradição pragmática do Itamaraty.

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