segunda-feira, 18 de fevereiro de 2019

A crônica dos absurdos no debate da cessão onerosa: Editorial | Valor Econômico

A novela em torno da revisão do contrato firmado em 2010 entre União e Petrobras, pelo qual o governo cedeu à empresa petrolífera o direito de explorar cinco bilhões de barris no pré-sal, se arrasta sem uma perspectiva clara de desfecho. O que raramente se percebe é a crônica de absurdos envolvendo as discussões, que hoje têm como foco praticamente único o equilíbrio das finanças públicas. Nada que surpreenda, após cinco anos seguidos de déficit primário e um novo rombo de R$ 99,5 bilhões em 2019, segundo a mediana das projeções coletadas pelo relatório Prisma Fiscal.

A má redação do contrato original inaugura o festival de disparates da cessão onerosa. Autoridades da área energética, executivos do setor e analistas privados concordam em apontar a falta de clareza das cláusulas que balizam a revisão do texto. Só isso, de fato, explica a existência de cenários tão heterogêneos sobre quem deve para quem - e quanto. Ainda no governo Michel Temer, foram compiladas sete estimativas diferentes. Enquanto a Petrobras dizia ser credora da União em até US$ 30 bilhões, em sua demanda máxima, os ministérios da Fazenda e do Planejamento sustentavam que era a estatal quem devia cifra igualmente robusta para o Tesouro Nacional.

Como se sabe, as reservas encontradas são muito maiores do que se especulava inicialmente. Na hipótese mais conservadora, há pelo menos seis bilhões de barris adicionais para exploração. Além disso, o custo do barril foi calculado em US$ 8,51 e esse valor também precisa ser atualizado.

Para dirimir essas dúvidas e dar mais segurança jurídica à revisão contratual, um projeto de lei complementar (PLC 78) foi aprovado na Câmara dos Deputados, com o apoio do governo Temer. A proposta viabiliza, também, eventual pagamento à Petrobras pela União em direitos para explorar mais barris de petróleo - e não necessariamente em dinheiro. Com o contrato revisto, seria finalmente possível leiloar as reservas excedentes da cessão onerosa. Algo suficiente para arrecadar de R$ 100 bilhões a R$ 120 bilhões, apenas com o bônus de assinatura, dinheiro bem-vindo em época de desespero.

Antes mesmo de tomar posse, o ministro Paulo Guedes articulou a votação do PLC 78 no Senado. Deixou o assunto de lado quando viu que, para isso, os senadores queriam arrancar uma fatia de 20% das receitas com o megaleilão para os Estados. Agora, ganha corpo no governo a ideia de que bastaria um acordo entre as partes e o aval do Tribunal de Contas da União (TCU) para celebrar a revisão do contrato e licitar as reservas excedentes. O ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, é partidário da mesma tese. Ora, se esse caminho era realmente viável desde o início, gastou-se então mais de um ano numa queda de braço desnecessária com o Congresso Nacional? Ou se trata de acelerar os novos termos da cessão onerosa, pura e simplesmente, dispensando o aval legislativo e abrindo mão de segurança jurídica? O risco é ter uma avalanche de questionamentos por acionistas majoritários da Petrobras que se sintam prejudicados.

Para terminar a sequência de desventuras, deve-se fazer uma reflexão sobre o próprio uso dos recursos. Na década passada, a descoberta do pré-sal foi tratada como uma espécie de passaporte para a prosperidade. Contraditoriamente, as administrações petistas congelaram a realização de novos leilões de petróleo, gerando uma paralisia dos investimentos e atrasando o aumento da produção no país. Boa parte da conta pode ser debitada na malfadada escolha de tornar a Petrobras operadora obrigatória de todos os campos do pré-sal. Como se valesse de alguma coisa, em tempos de transição energética e barateamento das fontes renováveis, gabar-se de riquezas fósseis guardadas debaixo da superfície.

No regime de partilha, o "government take" - transferências de receitas para os cofres públicos - se dá basicamente por meio do bônus de assinatura e do lucro-óleo, além de royalties. O lucro-óleo consiste em uma parcela da produção que é repassada à União. É cobrado durante toda a vigência do contrato. Quanto maior o bônus na largada, menor tende a ser esse pagamento. Portanto, ao calibrar o valor do cheque inicial na estratosfera, em algo entre R$ 100 bilhões e R$ 125 bilhões, queima-se de imediato parte considerável da renda do petróleo. É essa a receita com que conta a equipe econômica para zerar o déficit em 2019. Eis que, de uma poupança para as gerações futuras, o pré-sal torna-se mera tábua de salvação para cobrir a gastança insaciável do setor público. Um desperdício.

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