quarta-feira, 20 de fevereiro de 2019

Bolsonaro se sai mal na primeira crise do governo: Editorial | Valor Econômico

Sem oposição capaz de frustrar seus desígnios, o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos se empenham em um exercício de autodestruição que, em menos de um bimestre, produziu uma crise do nada. A demissão do ministro da Secretaria-Geral da Presidência, Gustavo Bebianno, foi resultado de tramas de Carlos Bolsonaro que contaram com a acolhida do presidente. A exoneração de um ministro sem peso no governo - em um longo processo que atravessou o fim de semana e só se consumou na noite de segunda-feira - mostrou autoridade política titubeante de Jair Bolsonaro, a coroar a falta de autoridade paterna para traçar limites entre a gestão do Estado e os interesses de seus familiares. Entre atônitos e perplexos, o governo e seu partido, o PSL, se dividiram.

Depois de corroborar com Carlos e chamar Bebianno de "mentiroso", uma tropa de intermediários entrou em ação para obter um acordo, oferecendo saídas honrosas para o ministro, que as recusou. Em todas as conversas ao redor das negociações, os motivos para buscar uma solução para o imbroglio se resumiam a um só, nada alentador. Gustavo Bebianno abriu o caminho para Bolsonaro concorrer à Presidência pelo PSL e foi um de seus aliados de primeira hora, tendo papel importante na campanha, na qual assumiu o comando interino da legenda. Humilhado pública e desnecessariamente, Bebianno poderia contar o que sabe sobre o Bolsonaro e o "laranjal" que começa a surgir a partir da descoberta do uso de dinheiro do fundo partidário pelos caciques do PSL.

Bebianno foi exonerado e Bolsonaro, segundo declaração do porta-voz da Presidência, Rego Barros, invocou razões de "foro íntimo" para defenestrá-lo. Depois, em mensagem aos aliados, afirmou: "Desde a semana passada, diferentes pontos de vista sobre questões relevantes trouxeram a necessidade de uma reavaliação". "Pode ter havido incompreensões e questões mal entendidas de parte a parte, não sendo adequados pré-julgamentos de qualquer natureza". As explicações não têm lógica e não se sabe quais questões relevantes afastaram o presidente de seu subordinado. O vice-presidente, Hamilton Mourão, foi enigmático: "Acho que a questão entre o presidente e o ministro Bebianno tem mais problemas do que a questão dos laranjas".

O governo viveu sua primeira crise, Bebianno foi substituído pelo general reformado Floriano Peixoto, mas a causa dos estragos continua intacta e traz maus presságios ao Planalto: a intromissão dos filhos de Bolsonaro nos assuntos do Estado. O senador Flavio Bolsonaro, acusado de transações suspeitas e ligação com as milícias, participa de reuniões com ministros sobre a reforma da previdência. Um sobrinho de Bolsonaro circula em áreas reservadas do Planalto sem ter cargo algum. O deputado federal Eduardo Bolsonaro foi um dos responsáveis pelas indicações mais extravagantes do ministério. O vereador Carlos, responsável pela campanha nas redes sociais, eliminou Bebianno do governo usando tweets do próprio pai para corroborar seus ataques. Para ampliar a algazarra, o presidente da República se comunica com integrantes do seu governo por meio do Twitter, em uma rede não oficial, desprotegida, a qual sabe-se lá quantas pessoas, fora os filhos, têm acesso.

O contexto das desavenças não ajuda o governo. Bebianno é suspeito de repasses de fundo partidário a "laranjas" que encaminharam o dinheiro para líderes partidários. O ministro do Turismo, Marcelo Antônio, deputado federal desde 2010, é acusado da mesma coisa, assim como o presidente do PSL, Luciano Bivar. O mote eleitoral de Bolsonaro, da "nova política" e da crítica impiedosa à corrupção, está sendo desmentido a golpes da realidade. Bolsonaro, porém, não usou dinheiro do fundo partidário, que deu ao PSL pouco mais de R$ 9 milhões.

O episódio desnudou as lealdades de Bolsonaro e sua maneira de agir. Está escrito nas estrelas que seja quem for que se colocar no caminho de sua família terá o mesmo destino de Bebianno, a menos que o presidente mude de atitude e dê um jeito na "rapaziada", na expressão de Mourão.

A crise vem em péssimo momento, às vésperas de o governo enviar ao Congresso a proposta de reforma da previdência. É possível que a queda de Bebianno não influa nos ânimos dos partidos e na tramitação da reforma. Mas é certo que decidindo por surtos de raiva e fidelidade a laços de sangue, Bolsonaro perderá prestígio e apoio no Congresso. É possível corrigir esses erros, desde que haja vontade política de fazê-lo.

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