sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Dora Kramer: Casca de banana, a atração

- Revista Veja

O governo compra briga com a Igreja: vocação para causas perdidas

Diferente da luta e do combate, quando se trata de poder e, portanto, de interesse coletivo, a briga é um ato ralo, desprovido de consistência e que acaba prestando algum tipo de desserviço a alguém. Quase sempre ao briguento, um ser dado a relevar o irrelevante. Se for um governante, além de pagar o preço pela bobagem, ainda distribui o prejuízo à sociedade.

É o caso do presidente Jair Bolsonaro, que, ainda não desencarnado da figura do candidato, compra brigas perdidas, inúteis, prejudiciais ao governo e, conforme a dimensão delas, nocivas também ao país. Elege adversários desnecessários sem medir as consequências.

Bolsonaro fez isso ao instigar a China, provocar os países árabes ao ameaçar mudar a embaixada do Brasil em Israel para Jerusalém, afrontar a legião de crenças e valores diversos ao insistir na pauta de costumes caros apenas a uma parcela dos brasileiros; faz isso ao anunciar investida contra o chamado clero progressista, atingindo a Igreja Católica de modo geral.

Evidentemente são pertinentes as atenções devidas a questões que envolvem a estratégica Amazônia. Mas vai uma distância oceânica daí até se considerar que essas preocupações possam explicar ou justificar a interferência do governo no conteúdo das discussões do sínodo de bispos sobre a região a ser realizado em outubro, em Roma.

A ideia seria “monitorar” o debate desde os preparativos na tentativa de, no dizer do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno, “neutralizar isso aí”. Um parêntese para apontar que a cultura do general não condiz com a adoção da linguagem ao jeito sincopado do comandante. Pois bem, por “isso aí” a ser neutralizado entenda-se a série de críticas a ser feitas ao governo nas questões indígenas e ambientais durante o encontro.

Estão sendo mobilizadas várias instâncias de governo, e fala-se até na intenção de pedir à Itália que interceda. Num evento patrocinado pelo Estado independente do Vaticano? Seria apenas perda de tempo, não fosse uma tolice digna do sujeito da clássica anedota da casca de banana do outro lado da rua. É óbvio que essa movimentação intervencionista não vai funcionar. Um tiro certo no peito do atirador.

Fere o princípio da separação entre Igreja e Estado, desconsidera a relação custo-benefício da compra de uma briga com os padres (falando genericamente), dá vazão a instintos autoritários, ignora a força e a presença da Igreja Católica a despeito do crescimento das denominações evangélicas, granjeia mais adversários num setor já adverso, contrata uma crise desnecessária — e para quê? Para nada além de postar-se atrás de uma enorme vidraça, das mais convidativas às pedras nem digo da oposição formal, mas da contestação de várias e diferentes camadas sociais.

Para quem tem ministros e personagens ao redor que, se não estão, deveriam estar na marca do pênalti, trata-se de inequívoca vocação para causas perdidas.

Publicado em VEJA de 20 de fevereiro de 2019, edição nº 2622

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