segunda-feira, 25 de fevereiro de 2019

Fim de uma era: Editorial | Folha de S. Paulo

Fechamento de fábrica da Ford no ABC após meio século reflete transformação do setor automotivo

O fechamento da fábrica da Ford em São Bernardo do Campo, após 52 anos de operações, alerta que mudanças profundas se aproximam, e não apenas para a região do ABC paulista, centro tradicional da produção de veículos no país.

A decisão da montadora provocará o fechamento de 4.500 postos de trabalho, entre diretos e terceirizados, além de outros milhares na cadeia de fornecedores.

A Ford manterá a produção de motores em Taubaté e de automóveis compactos apenas na fábrica de Camaçari, na Bahia, que conta com incentivos fiscais e encargos salariais mais baixos.

Certamente há aspectos locais envolvidos na saída do ABC, como a obsolescência da unidade, o alto custo de operação e a tradição de aguerrida mobilização sindical, que desfavorecem a região na competição hoje mundial.

A questão de fundo, contudo, é mais ampla —a transformação do setor automotivo. Depois de duas décadas de forte crescimento no mundo, sobretudo em países emergentes como a China, o mercado vem perdendo fôlego.

Mudanças de hábitos e novas soluções de mobilidade contribuem para essa dinâmica. Há pelo menos dois anos, muitas das principais montadoras revisam para baixo suas projeções de vendas e lucros.

De outro lado, a demanda por pesquisa e desenvolvimento cresce, em áreas como direção assistida e carros elétricos, exigindo orçamentos cada vez mais amplos e maior flexibilidade produtiva.

Não por acaso, várias empresas vêm se associando para compartilhar despesas de pesquisa e plataformas de produção —caso da própria Ford, que hoje trabalha em associação com a Volkswagen na produção de utilitários, além de ter reduzido sua atuação no segmento de carros compactos.

Nesse contexto, o posicionamento do Brasil se mostra muito ruim. Além da especialização em modelos de menor valor agregado, a indústria se mostra atrasada e pouco inserida na dinâmica mundial. A dependência permanente de proteção e incentivos, mais uma vez renovados no programa Rota 2030, não aponta um futuro promissor.

As agruras do setor implicam riscos até para a retomada do crescimento econômico do país —historicamente, a superação de recessões contou com atividades dinâmicas como a produção de bens duráveis, automóveis entre eles.

Agora, a receita de aproveitar as vantagens de um mercado local protegido possivelmente não bastará. Inovação, custos realistas e integração produtiva com os centros mais dinâmicos do mundo se afiguram cada vez mais essenciais. Essa agenda nunca foi tão urgente.

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