sábado, 9 de fevereiro de 2019

Hélio Schwartsman: Moral instantânea

Via rápida não admite nuances e não dá conta de complexidades

Há duas formas de lidar com questões morais. A primeira é rápida, visceral. Vemos uma cena que nos toca —alguém sendo vítima de um ato de racismo ou de violência sexual— e imediatamente aflora-nos o sentimento de indignação. A vontade de punir o agressor é incontornável. Os mais exaltados de nós podem até incorrer em perdas pessoais para castigar o perpetrador.

A segunda é lenta, reflexiva. Exige cálculos mentais que envolvem a avaliação de intenções e a mensuração de consequências, além de mobilizar conceitos de certo e errado fadados a revelar-se inconsistentes. Humanos equilibramo-nos precariamente entre raciocínios deontológicos e consequencialistas, nem sempre compatíveis.

A vantagem da primeira via é que ela produz resultados rapidamente. Até umas quatro ou cinco décadas atrás —um nada em termos históricos—, países como EUA e África do Sul ainda podiam inscrever dispositivos racistas em suas leis, como estabelecer zonas segregadas ou proibir casamentos inter-raciais. Hoje, estabeleceu-se um consenso social pelo qual não apenas consideramos tais discriminações odiosas como banimos imagens e palavras que evocam esse passado recente.

A desvantagem da via rápida é que ela é 8 ou 80. Não admite nuances e não dá conta de complexidades.

Monteiro Lobato, que não pode ser descrito como um racista, tem uma de suas obras infantis, “Caçadas de Pedrinho”, contestada e quase proscrita porque ele usou a expressão “macaca de carvão” para descrever Tia Nastácia trepando numa árvore.

Ralph Northam, governador democrata da Virgínia, está prestes a perder o mandato porque, numa foto tirada 35 anos atrás, quando estava na faculdade, aparece usando fantasias hoje vistas como insuportavelmente racistas. Seus dois substitutos imediatos também estão sendo tragados por escândalos.

Se a via rápida não for modulada pelos raciocínios reflexivos, pode produzir exageros e paradoxos.

Um comentário:

ADEMAR AMANCIO disse...

Pra julgar o outro o nosso juízo moral é instantâneo,pra julgar os nossos defeitos...