terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

Luiz Carlos Azedo: Jogo começa sem Bolsonaro

- Correio Braziliense / Estado de Minas

“Bolsonaro afina o discurso do governo com as verdadeiras prioridades do país. Entretanto, ainda não entrou em campo para articular a base de apoio às reformas”

O ano legislativo começou com o governo pautando o Congresso em dois temas essenciais para o sucesso de Jair Bolsonaro como presidente da República: a reforma da Previdência e a política anticrime organizado. No primeiro caso, houve vazamento de uma proposta de aumento do tempo mínimo de contribuição de 15 para 20 anos, que foi desmentida e desagradou o ministro da Economia, Paulo Guedes, que ainda não fechou a proposta oficial do governo com o próprio Bolsonaro; no segundo, o ministro da Justiça, Sérgio Moro, apresentou as propostas de endurecimento das penas e do regime carcerário, além da criminalização do caixa dois eleitoral e de combate a corrupção, aparentemente já sincronizadas com o presidente da República, que declarou guerra ao crime organizado na sua mensagem ao Congresso.

Nenhuma das duas reformas (a previdenciária e a penal) terão andamento fácil. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), adiantou que pretende submetê-las a amplo debate na Casa. A eleição de Maia, no primeiro turno, com 334 votos dos 513 deputados, foi relativamente tranquila, na sexta-feira passada, mas sinaliza também uma liderança compartilhada com setores do governo e da oposição. Com toda certeza, deixará as propostas decantarem nas comissões especiais antes de levar a plenário para votação. Maia é um defensor da reforma da Previdência, que considera vital para o país, mas não vai submeter a proposta à votação sem uma maioria consolidada; sabe que uma derrota na largada pode custar a própria reforma. Também é a favor do endurecimento das penas, mas não será algoz de seus colegas no caso do caixa dois eleitoral, pois a Câmara ainda é uma casa de alguns condenados à forca. O mais provável é que o preço da nova lei seja uma anistia ao caixa dois, do tipo “quem comeu, comeu; agora não come mais”.

A situação no Senado, nesse aspecto, é um pouco mais confusa, embora a vitória surpreendente de Davi Alcolumbre (DEM-AP), também no primeiro turno, deva ser computada como um gol de placa do ministro-chefe da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, que jogou todo o seu prestígio e arriscou o próprio cargo para derrotar o ex-presidente da Casa Renan Calheiros (MDB-AL), com uma maioria bem apertada: 42 votos de 81 senadores. O novo presidente do Senado também foi eleito com votos da oposição: PSDB, Rede, PDT, PSB e PPS. Ou seja, para aprovar as reformas, quando chegarem ao plenário, precisará negociar um acordo amplo, inclusive com o MDB e o PT, os grandes derrotados na disputa pelo controle da Mesa do Senado.

O paciente
Bolsonaro afina, pouco a pouco, o discurso do governo com as verdadeiras prioridades do país, como ficou demonstrado na mensagem que enviou ontem ao Congresso. Entretanto, ainda não entrou em campo para articular a base de apoio às reformas. Pretendia sair do hospital amanhã, mas teve complicações estomacais pós-operatórias e um pouco de febre, o que é um sintoma de que a retirada da colostomia e a ligação do intestino grosso ao intestino delgado, sequelas da facada que levou durante a campanha eleitoral, foram realmente uma operação bem mais complexa do que se esperava. Os médicos recomendaram mais sete dias de repouso; a instalação de um gabinete presidencial no hospital, como queriam os assessores do presidente, está fora de cogitação.

Enquanto Bolsonaro se recupera, o governo opera em marcha lenta, e há uma tendência natural a fragmentar sua atuação, via ministérios cada vez mais autárquicos. Hoje, o vice-presidente Hamilton Mourão presidirá mais uma reunião do conselho de ministros, atraindo os holofotes da imprensa e os ódios de seus desafetos no próprio universo bolsonariano. O guru da ala mais conservadora do governo, o filósofo Olavo de Carvalho, faz ataques sistemáticos ao general nas redes sociais. Ontem, militantes de seus grupos de apoio estenderam uma faixa pedindo para Mourão calar a boca. A ciumeira tem dois ingredientes: uma teoria conspiratória, de que o vice estaria de olho no cargo do titular; e o incômodo com certas declarações de Mourão, politicamente mais moderadas ou até mesmo em contraponto com a agenda dos costumes de Bolsonaro, como seu comentário sobre o aborto, que qualificou como uma decisão que cabe à mulher.

Nada, porém, abala o otimismo do mercado. Ontem, a Bolsa de São Paulo fechou seu pregão com alta de 0,74%, atingindo 98.588 pontos, novo recorde de fechamento, apesar da queda das ações da Vale, em razão da tragédia em Brumadinho (MG). Esse otimismo é alimentado pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e sua equipe, que sinalizam um programa de reformas liberais, entre as quais a da Previdência. Qualquer reversão dessa expectativa pode ter reflexos negativos na economia, onde o ambiente de negócios está sendo aquecido, mas os investimentos, principalmente em infraestrutura e capital fixo, ainda vão demorar. Ou seja, o Congresso precisa fazer a sua parte para a economia realmente deslanchar.

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