quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Malu Delgado: A vida em Marte e no Congresso Nacional

- Valor Econômico

Articulações no Congresso são extensão de 2018

Veio do vice-presidente da República, Hamilton Mourão, o alerta sobre a necessidade de todos preservarmos o planeta, sob o risco de sermos obrigados a viver em Marte. A aridez diária das disputas e a inexistência de lideranças capazes e dispostas a trabalhar pela preservação do ambiente político no Brasil quase impõem a vida em outro planeta como, de fato, a única alternativa possível.

As articulações que guiaram a sucessão no Congresso Nacional atestam a extensão da briga eleitoral ao terceiro turno e a incapacidade dos atores políticos de construir entendimentos que levem em conta projetos para o país. Como definiu um parlamentar experiente, "desgraçadamente" a política não está no comando.

Não há nenhuma grandeza na renúncia de Renan Calheiros (que desistiu apenas por não suportar o vexame público da derrota), nem tampouco na persistência do senador Davi Alcolumbre em permanecer horas grudado à cadeira da presidência do Senado num momento em que não havia certeza alguma sobre seu destino. A desgraça da "não política" leva a episódios patéticos e lamentáveis, como os conhecidos duelos entre Antonio Carlos Magalhães, do então PFL, e Jader Barbalho, do velho PMDB, no mesmo Senado.

Mas ainda causa certo espanto ver uma senadora da República se apossar de uma pasta de documentos que não lhe pertencem e convidar o colega a pegá-la na marra, como se estivéssemos todos brincando de pique-pega no jardim de infância.

Hoje os memes ajudam a tentar interpretar as desgraças da política (ou da falta dela) com humor, mas é pouco provável que se chegue a algum resultado positivo se permitirmos que as enquetes de Facebook esgotem discussões em plenário, como sugere o novato e midiático senador Jorge Kajuru.

É ingenuidade pensar que o ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, seja o único e grande vitorioso da sucessão do Senado, pelo fato de ter apoiado Davi Alcolumbre, um senador de primeiro mandato do DEM e cujos passos até então não demandavam atenção, exceto por sua cordialidade. "É um meninão simpático", definiu um colega, horas antes da eleição, sem ter ainda certeza se lhe daria o voto.

Alcolumbre só virou presidente do Senado por desdobramentos do pleito presidencial de 2018. Não chegaria ao posto sem a cisão evidente no MDB capitaneada pela senadora Simone Tebet e a articulação intensa de tucanos experientes, como Tasso Jereissati e Antonio Anastasia. Caso o MDB tivesse algum bom senso em não bancar a candidatura de Renan Calheiros, talvez o senador do DEM nunca tivesse chegado lá. Mais do que despertar a fúria do antipetismo, Renan era "tudo isso que está aí", ou seja, o que Bolsonaro derrotou em outubro de 2018.

Alcolumbre contou, ainda, com a boa vontade do governador de São Paulo, João Doria, que se mostrou disposto a entrar com tudo no xadrez político de Brasília. O PSDB, obviamente, pensou no próprio umbigo e jogou as fichas na candidatura de Tasso, mas bateu a cara num muro intransponível, que é a perspectiva de poder do DEM dentro do governo Bolsonaro.

O senador simpático compreendeu bem as circunstâncias que lhe colocaram na presidência da Casa. Os agradecimentos em seu discurso de vitória comprovam que Alcolumbre sabe quem vai lhe apresentar a fatura.

As divisões da esquerda, outra conta que começa a ser cobrada depois de 2018, também contribuíram para a eleição de Alcolumbre e, mais especificamente, para que Rodrigo Maia permanecesse na presidência da Câmara.

O PDT de Ciro Gomes, na Câmara, agiu com o deliberado objetivo de isolar o PT. No Senado, Cid Gomes deixou de lado as arengas cearenses e articulou horas a fio ao lado de Tasso Jereissati para tirar a majestade de Renan Calheiros.

O rancor eleitoral levou o PCdoB a trilhar o mesmo caminho. "Comunistas" e pedetistas integraram-se a um grande bloco para retirar o PT da Mesa Diretora da Câmara e obter a liderança da minoria. Os dois partidos ajudaram a eleger Maia para minimizar o poder do PT, que ainda tem a maior bancada na Casa. Para boa parte do PCdoB, o PT não reconheceu a grandeza do gesto de Manuela d'Ávila, que desistiu da candidatura à Presidência para ser vice de Fernando Haddad. "Como se o PCdoB fosse ter 40 milhões de votos sozinho", ironiza um petista.

O PT caminhou ao lado do Psol e do Rede, apoiando oficialmente a candidatura de Marcelo Freixo. Houve traições, como era de se esperar. O candidato do Psol teve 50 votos. Poderia ter tido 64, caso as bancadas do próprio partido e do PT votassem em peso nele.

Quando o fígado não guia a política, os resultados costumam ser mais alvissareiros. Vem de um integrante do clã Calheiros a racionalidade: "Defendi que a composição institucional da Mesa e das comissões desse a cada partido o real tamanho que tem, o que tiraria da disputa o contexto político de 2018 e criaria um clima melhor aqui dentro", pregou o deputado Renildo, irmão de Renan, no cafezinho do Senado, depois de dar um abraço apertado em Alcolumbre. O apoio de seu PCdoB a Rodrigo Maia, sustentou, era defensável porque o deputado cumpre acordos e segue o regimento. "Não havia como um candidato de esquerda vencer a eleição. Melhor fazer isso às claras."

Neste clima em que "vaca não reconhece bezerro" e onde parlamentar não dá a mínima a líder de partido, pelo menos ficará claro o lado de cada um no debate das reformas que se avizinham. "O povo colocou o PT na oposição. Portanto, seremos oposição, e vamos fazer isso sem xingamentos e sem mágoas", sustenta o deputado Arlindo Chinaglia, que no passado presidiu a Câmara. Enquanto não se confirma a existência de vida em Marte, a despeito dos indícios de presença de água líquida no planeta, o Planalto tenta decifrar o que lhe espera no Congresso. "Vamos fazer o que é a essência da política. A conversa. O entendimento", diz o ministro Carlos Alberto Santos Cruz. O governo, afirma, não vai desprezar os partidos, mas sabe que aqui no planeta Terra precisará do varejo.

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