segunda-feira, 4 de fevereiro de 2019

Multas ambientais não podem ser ignoradas: Editorial | O Globo

Desde a tragédia de Mariana, em 2015, menos de 15% dos autos de infração foram pagos

No dia seguinte ao rompimento da Barragem da Mina do Feijão, em Brumadinho, o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, anunciou que o Ibama aplicaria multa de R$ 250 milhões à Vale pelo desastre que deixou pelo menos 121 mortos, 212 desaparecidos e danos incalculáveis. A enxurrada de 12 milhões de metros cúbicos de lama, que soterrou instalações administrativas da mineradora, casas, sítios e plantações, já ameaça afetar o abastecimento de cidades como Pará de Minas, podendo até mesmo chegar ao São Francisco.

O valor da multa, que corresponde à soma de cinco autos de infração de R$ 50 milhões, impressiona, mas a realidade mostra que esses recursos dificilmente irrigam os cofres dos órgãos ambientais. Como mostrou reportagem do GLOBO publicada na quarta-feira, desde o rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em novembro de 2015, a mineradora Samarco, que tem como acionistas a Vale e a BHP Billiton, recebeu 25 autos de infração, totalizando R$ 350 milhões. Nada pagou. A Vale, multada em R$ 139 milhões, também não desembolsou um centavo até agora.

O desastre de Mariana, o maior desse tipo já registrado no Brasil, despejou no meio ambiente 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério de ferro, cinco vezes mais do que o de Brumadinho. Os efeitos para a natureza foram catastróficos. A lama, que atingiu o Rio Doce, percorreu mais de 600 quilômetros até chegar à costa do Espírito Santo, deixando um rastro de destruição jamais visto no país. Municípios mineiros e capixabas até hoje sofrem com o impacto da tragédia.

Não importa se estão em jogo os dois maiores desastres ambientais do país ou um crime ecológico de baixo potencial. O fato é que, na prática, essas multas não são pagas. Desde 2015, o Ibama expediu 63.021 autos de infração. Desse total, foram quitados apenas 9.257, ou 14,6%. É comum que as empresas recorram das punições e posterguem ao máximo os pagamentos, aproveitando-se de brechas na legislação.

Diferentemente do que pregou o presidente Jair Bolsonaro, que, antes de assumir, prometeu acabar com a “festa de multas” dos órgãos ambientais, o pagamento é exceção à regra. Um desses casos isolados ocorreu em janeiro de 2000, quando 1,3 milhão de litros de combustível vazou de um duto da Reduc, transformando a Baía de Guanabara num mar de óleo — a foto do mergulhão agonizando virou um símbolo do acidente. Multada pelo Ibama em R$ 50 milhões — máximo previsto na Lei de Crimes Ambientais —, a Petrobras pagou de imediato, por decisão do então presidente Fernando Henrique Cardoso.

Se multas lavradas pelos órgãos ambientais não são pagas, o papel pedagógico da punição é nulo. Sinaliza que cidadãos ou empresas podem desmatar florestas, poluir rios e mares, fazer pesca predatória, tornar o ar irrespirável, extrair recursos naturais de forma ilegal etc. sem qualquer temor. De certo, pouco ou nada ganham com isso, como provam as tragédias de Mariana e Brumadinho. E todos nós perdemos.

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