quinta-feira, 28 de fevereiro de 2019

Troca de guarda e manutenção de política no Banco Central: Editorial | Valor Econômico

Todas as peças da política monetária atual continuarão aonde estão, pelo menos no curto prazo, indicaram os discursos de Roberto Campos Neto, Bruno Serra e João Manoel Pinho, aprovados anteontem pelo Senado para ocuparem, respectivamente a Presidência e as diretorias de Política Monetária e a de Organização do Sistema Financeiro do Banco Central.

Campos Neto, que já presidirá a próxima reunião do Comitê de Política Monetária, deu a tônica da continuidade do trabalho da diretoria do BC que sai de cena. A taxa básica de juros é a mais baixa da história e assim permanecerá enquanto a inflação estiver bem comportada. O câmbio deve ser flutuante e os instrumentos de intervenção potenciais, como as reservas internacionais, devem ter seus custos comparados aos retornos. Segundo Campos, manter US$ 380 bilhões sai hoje bem mais barato que há dois anos, com a queda significativa dos juros internos e a elevação moderada das taxas externas, o que coloca em segundo plano a discussão de se elas devem ou não ser reduzidas no curto prazo.

Bruno Serra apontou, como as atas do Copom registraram, que o cenário externo, com guerra comercial e desaceleração do crescimento global, traz mais riscos. Foi claro ao ressaltar que o ajuste fiscal a ser promovido pelas reformas é condição para que a política monetária "siga no campo estimulativo". A preocupação, segundo ele, é menos com o estoque da dívida e com a forma de reduzi-lo rapidamente, e mais com a "sinalização de contenção dos déficits correntes e de melhora no perfil de destinação dos gastos públicos".

O alto grau de ociosidade da economia recomenda a manutenção dessa política de estímulo, disse Serra, alinhando-se com as indicações recentes do BC de que sem sinal de avanço das reformas os juros podem ficar aonde estão, mas também não subirão enquanto a economia não mostrar boa tração. O que ocorrerá se isto não acontecer, não foi sinalizado.

Campos tocará a agenda modernizante já em curso no BC, em especial o trabalho para desenvolver o mercado de capitais e promover a inclusão financeira. Ele acredita que a tarefa do BC ganhará eficiência e liberdade com a autonomia da instituição, constante de projeto que tramita no Congresso. O novo presidente do BC também acha que o sistema financeiro brasileiro não é muito concentrado e que juros altos não se devem aos altos lucros dos bancos, que teriam, segundo ele, papel secundário nos spreads cobrados. Campos disse que a rentabilidade das instituições, critério que seria mais adequado, mostra que ela declinou, embora tenha subido um pouco no último exercício.

Ainda que a concentração bancária não inspire grandes preocupações na cúpula do BC, foi o tema quase único do discurso do novo diretor de Organização, João Pinho. Ele considerou que para oferecer crédito acessível a todos, a juros baixos, é essencial que haja "forte competição entre os credores". As condições para isso, agrupam-se corretamente em quatro linhas de ação. A primeira delas é a segurança às garantias e aprimoramento das informações sobre os tomadores de crédito. Parte desse caminho está sendo percorrido há algum tempo, com, por exemplo, a duplicata eletrônica e o cadastro positivo.

Pinho prega "vigilância ferrenha" sobre os atos de concentração e condutas anticompetitivas. Após mencionar as restrições à associação entre a XP e o Itaú, ele disse que, consideradas as condições de mercado existentes, "o sarrafo" para a autorização de novos atos de concentração, deve ser colocado em nível mais elevado. Além disso, o BC tem de incentivar novos ingressantes no mercado, o que já ocorre com as fintechs de crédito e as instituições de pagamento. Como exemplo, citou a atuação do BC no mercado de cartões de crédito. Por último, Pinho mostrou confiança incomum de que "a tecnologia resolverá, cedo ou tarde, quaisquer problemas concorrenciais que possa haver no mercado bancário".

Um dia depois da sabatina no Senado, o BC divulgou que as concessões de crédito caíram 15% em janeiro (dessazonalizadas, cresceram 0,5%), com elevação generalizada da taxa de juros (embora redução, modesta, em doze meses). Os indicadores do primeiro trimestre até agora, segundo o economista-chefe do Bradesco, Fernando Honorato, não são compatíveis com um PIB de 2,8%. Em breve, se a economia não reagir, o novo comando do BC terá de decidir se retoma o corte dos juros ou espera mais até que a reforma da previdência seja aprovada.

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