sexta-feira, 8 de março de 2019

A virada mais perigosa: Editorial / Época

Consolidou-se no século XX a ideia otimista de que existe uma relação profunda entre democracia e prosperidade: quanto mais democrático um país, mais próspero ele será. No período depois da Segunda Guerra Mundial, a democracia seguiu ritmo vitorioso. Bastiões e ameaças autoritárias haviam sido vencidos. A União Soviética desaparecera, o nazismo tornara-se um pesadelo distante e todos os continentes mostravam sinais de avançar para eleições livres e para o estado de direito. Os otimistas podiam dizer que a humanidade estava finalmente reconhecendo os princípios transcendentes da liberdade e igualdade democráticas.

Na sexta-feira 1º de março, quando o Carnaval brasileiro começava a todo confete, os cientistas políticos Roberto Stefan Foa e Yascha Mounk publicaram análise preocupante a partir de dados compilados pelo Fundo Monetário Internacional. Foa e Mounk são relevantes estudiosos da evolução — e involução — da democracia mundo afora, e o alerta que fizeram merece ser propagado.

No resumo do estudo que publicaram em The Wall Street Journal, os especialistas projetam que — pela primeira vez na história — a produção total de riqueza dos países considerados “não livres” será superior à riqueza gerada pelas democracias ocidentais. Traduzindo em grandes números, as economias combinadas dos Estados Unidos, da Alemanha, da França e do Japão vão perder para o time da China, da Rússia, da Turquia e da Arábia Saudita. Os autores calculam que tal virada ocorrerá em algum momento nos próximos cinco anos.

Desde a década de 1890, países como os EUA, a Grã-Bretanha e um pequeno grupo de outras democracias dominaram a economia global. Os cientistas políticos calcularam que, em 1995, 96% das pessoas que viviam em um país com renda per capita anual acima do equivalente hoje a R$ 75 mil eram cidadãos de uma democracia liberal. “Com a exceção de alguns poucos oligarcas empoleirados em sociedades estagnadas e repressivas, somente os democratas conseguiram desfrutar da verdadeira riqueza”, escreveram Foa e Mounk.

Uma grande parte do sucesso da democracia deveu-se assim não a nobres ideais, mas ao sucesso econômico. Os países mais ricos eram democracias e o resto do mundo também queria ser rico. Hoje, a riqueza global está mudando para partes mais autoritárias do planeta, e não está claro como a democracia, sem todas as vantagens materiais a seu lado, se sairá na competição.

É preciso entender como e por que o domínio democrático está sendo corroído pelo ressurgimento autoritário. Uma parte da explicação é a reversão democrática em grandes economias, graças aos esforços de homens fortes como o russo Vladimir Putin e o turco Recep Tayyip Erdogan.

A reafirmação da democracia em grandes países do eixo Sul-Sul, como o Brasil, a Índia e a África do Sul, será essencial para contrabalançar o poder dos governantes autocráticos. O mundo democrático enfrenta, enfim, um sério desafio a sua primazia econômica e tecnológica. A emergência do “autoritarismo capitalista”, que combina um governo de mão de ferro com maior riqueza, é uma ameaça nova e que seria inimaginável anos atrás.

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