terça-feira, 12 de março de 2019

Andrea Jubé: O paraquedista

- Valor Econômico

Reforma exige a visão estratégica do paraquedista

O esforço de compreensão dos gestos e ações do presidente Jair Bolsonaro, e do que se espera dele nos próximos meses de governo - a aprovação da reforma da Previdência, principalmente - nos remete ao seu passado militar: à imagem dos intrépidos soldados com os velames abertos, portando as cobiçadas botinas marrons, lançados de aviões a 1,2 mil pés de altura, a velocidades de 200 km/h, com mochilas de 50 quilos, repletas de mantimentos, remédios e fuzis ParaFAL.

"Tem uma mística muito grande porque é uma atividade de risco, nem todos completam o curso, o brevê é conquistado com sangue, suor e sofrimento", diz o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), general Augusto Heleno. Paraquedista como Bolsonaro, Heleno tem 44 saltos no currículo: o último deles foi aos 60 anos. O episódio se deu em 2008, num encontro de saltadores na base militar americana de Fort Benning.

Bolsonaro tem apreço por essa formação. Mencionou-a no encontro com o presidente do Paraguai, Mario Abdo Benítez, em Foz do Iguaçu: "Falamos da nossa formação de paraquedistas, fizemos a saudação". A saudação da brigada paraquedista do Exército, desde os anos 70, é "Brasil acima de tudo!" - o bordão de sua campanha eleitoral.

O general Heleno, conselheiro mais próximo do presidente, afirma que a vivência como paraquedista rendeu atributos políticos a Bolsonaro, como liderança, gestão de situações de risco, aptidão para tomar decisões rápidas. O presidente já deu declarações neste sentido. Em 2017, a um ano do pleito, foi questionado se trocaria o PSC pelo Patriotas. "Sei que ele [o partido] tem problemas. Se não solucionar, como sou paraquedista, já tenho outro em vista", afirmou após evento com empresários em Uberlândia (MG). Depois do Patriotas, quase veio o PRB. Mas ele acabou no PSL.

Mais que um paraquedista, Bolsonaro se qualificou como "mestre de saltos": o soldado responsável pela liderança e organização da tropa, pela segurança dos saltos, aquele que indica a direção do vento e dá o sinal verde para os lançamentos. Esse currículo induz a uma pergunta oportuna: o presidente é um ex-paraquedista, detentor de visão estratégica e capacidade de planejamento, e como tal, preparado para articular a votação de reformas estruturantes? Ou é um político que "caiu de paraquedas" no cargo?

Em contraponto à expressão "caiu de paraquedas", que remete a improviso e despreparo, a formação de um paraquedista implica dois meses de aulas teóricas e práticas, com árduas provas de resistência física. Em uma delas, o soldado cumpre uma marcha de até 100 quilômetros, carregando mochilas de 50 quilos. Muitos desistem ou são eliminados. Na turma de Bolsonaro, em fins dos anos 70, dos 160 cadetes, 33 se formaram. Na turma de Heleno, dos 100 cadetes, 27 conquistaram as boinas grenás.

Contudo, as ações do presidente Bolsonaro nas últimas semanas sugerem um mandatário que fez um pouso atabalhoado, talvez vítima de uma mudança repentina da direção do vento, ou de um cálculo equivocado.

O brevê do mestre de saltos leva a inscrição "Siga-me". Pois nas eleições do ano passado, 57 milhões de brasileiros lhe disseram "sim" nas urnas. Hoje, nas redes sociais, ele cultiva outra legião de seguidores: são 9,3 milhões no Facebook, e 3,6 milhões no Twitter.

Esses milhões de brasileiros disseram "sim" ao antipetismo, à negação da política tradicional, mas igualmente, à promessa de resgate da economia, que começou a respirar sem aparelhos. Hoje a principal missão do soldado Bolsonaro é aprovar a reforma da Previdência Social para recuperar o equilíbrio fiscal, a confiança dos investidores e a geração de novos postos de trabalho, num universo de 12 milhões de desempregados.

Nos últimos dias, entretanto, o presidente desviou o foco das articulações pela aprovação da reforma para questões controvertidas relativas aos costumes, menos relevantes que o PIB de 1,1% relativo a 2018, e igual ao de 2017. Num gesto surpreendente, postou um vídeo obsceno na terça-feira de Carnaval, gerando repercussão negativa interna e no exterior, às vésperas de uma aguardada visita oficial aos Estados Unidos.

Em resumo, colocou a perder o capital político necessário para aprovação da reforma. Na sequência de ações desnorteadas, o governo resvalou em um embate interno no Ministério da Educação, entre a ala militar e seguidores do filósofo Olavo de Carvalho. Impôs desgaste desnecessário a uma pasta que deflagrou uma aguardada investigação interna em possíveis processos de corrupção, na "Lava-Jato da Educação". Prolongando a turbulência, o presidente usou sua conta pessoal nas redes para replicar uma notícia falsa sobre uma repórter do jornal "O Estado de S. Paulo", em novo ataque à imprensa.

Se quiser aprovar a reforma, o presidente deve voltar as atenções para a articulação política do governo que está desorientada. Na semana de instalação das comissões temáticas da Câmara, e da provável indicação do relator, o coordenador político do governo, ministro da Casa Civil, Onyx Lorenzoni, embarcou para a Antártida. O líder do governo na Câmara, Major Vítor Hugo (PSL-GO), continua sem trânsito entre os demais líderes de bancadas.

Na década de 80, o soldado Bolsonaro sofreu um acidente grave durante um salto livre porque o vento soprou na direção contrária. As condições para o salto pareciam razoáveis, só que próximo ao pouso, surgiu um vendaval inesperado. A dezenas de metros do solo, Bolsonaro perdeu o controle do equipamento, e atravessou em voo cego a Avenida das Américas, na Barra da Tijuca, com o risco do paraquedas enrolar em um fio de alta tensão. Ao fim, bateu contra a parede de um prédio, rachou o capacete e fraturou braços e tornozelos. O fato é narrado pelo filho Flávio Bolsonaro, e foi reportado no livro do jornalista Clóvis Saint-Clair: "Bolsonaro - O homem que peitou o Exército e desafia a democracia".

Associado normalmente a riscos, o paraquedismo é muito mais do que um salto no escuro. Implica estratégia, organização e planejamento. Virtudes que - espera-se - prevaleçam sobre o presidente tuiteiro para garantir a aprovação da reforma, independentemente da direção em que o vento soprar.

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