quinta-feira, 14 de março de 2019

Ascânio Seleme: O zelador e o pastor

- O Globo

Crivella vem fazendo nos últimos meses uma gestão de formiguinha

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, gosta de se apresentar como zelador, um homem que cuida da cidade e das pessoas. Segundo ele, não dá para o prefeito-zelador estar fora da cidade em momentos como o da segunda-feira, quando um dilúvio se abateu sobre São Paulo. Covas já viveu outros episódios estressantes na sua curta gestão de um ano. Viu um prédio de 20 andares no Centro desabar depois de um incêndio e um viaduto cair no meio de um feriado.

Não tem dia fácil ou tranquilo na administração, diz Covas, que estava em Berlim quando a tempestade inundou São Paulo, tendo de voltar às pressas para a cidade. Apesar de tanto aborrecimento, Bruno Covas deve ser candidato à reeleição. Confia que terá apoio do governador João Doria e de todo o seu partido, mas jura que ainda nem pensou em trabalhar politicamente sua candidatura.

De acordo com ele, o melhor a fazer é exercer bem o mandato. “Trabalho pela reeleição é trabalho de prefeito”, diz. Hoje, a prefeitura tem menos secretários ligados a partidos do que em janeiro de 2017, no início da gestão de João Doria, a quem Covas substituiu. O prefeito acha que lotear o governo atrapalha mais do que ajuda. Tempo de TV, segundo ele, não ganha eleição, como bem demonstrou seu aliado Geraldo Alckmin no ano passado.

Enquanto isso, no Rio, o prefeito Marcelo Crivella inaugurou, 19 meses antes do pleito, a luta por um segundo mandato. Ele restabeleceu as secretarias de Turismo e Meio Ambiente, que disse serem desnecessárias quando tomou posse. O movimento serviu para selar um pacto com o ex-governador Francisco Dornelles. Com a nomeação de dois quadros, o PP apoiaria a reeleição de Crivella. Tudo normal, tudo de acordo com a velha política.

(Aqui um parêntesis. Engraçado o prefeito revalorizar o turismo na semana seguinte ao anúncio de que vai encerrar a subvenção para o carnaval.)

O prefeito, que também está dando cargos ao Solidariedade, pavimenta o caminho para a campanha pela reeleição. Nenhuma dúvida de que ele é um dos favoritos, e não só por estar exercendo o cargo. Crivella vem fazendo nos últimos meses uma gestão de formiguinha, nas palavras de quem conhece a administração pública municipal.

Ele está inaugurando pracinhas, coretos, quadras de esporte, bicas d’água. Com fala mansa, conversa de pastor e amigo, Crivella procura ser íntimo da dona de casa, do dono da venda, do líder comunitário. Este trabalho, associado ao apoio de novos partidos e à bênção da comunidade evangélica, faz de Crivella o candidato a ser batido no ano que vem.

Os adversários mais óbvios são o ex-prefeito Eduardo Paes, os deputados Marcelo Freixo, Alessandro Molon e Martha Rocha, e o secretário Pedro Fernandes. Para Paes, primeiro, é preciso ver se investigações em curso não o inviabilizam. Molon, se não apoiar Freixo, pode ser candidato pela Rede. O PDT pode lançar a deputada Martha Rocha. O secretário Pedro Fernandes pode ser o candidato do governador pelo partido que Witzel escolher. As únicas garantias são que o MDB está fora e Freixo, dentro.

Contra fiscal
O deputado estadual Alexandre Freitas (Novo) protocolou ontem na Assembleia Legislativa do Rio um projeto de emenda constitucional que submete aos deputados a escolha do procurador-geral de Justiça e do defensor público geral. Pelo projeto, essas autoridades, depois de eleitas pelos seus pares e antes de serem nomeadas pelo governador, devem ser aprovadas pela Alerj. A ideia não apenas subverte a autonomia dada pela Constituição a essas instituições. Ela tenta colocar freios no Ministério Público e na Defensoria e, se aprovada, pode provocar retrocesso no processo fiscalizatório.

Dizer que os procuradores e defensores têm muito poder para explicar a emenda não vale. Se este fosse de fato o problema, melhor seria ir ao Congresso Nacional e discutir amplamente essas questões. Tentar “solução” parcial, em âmbito estadual, pode parecer rancor ou vingança. Curiosidade: a proposta foi apresentada no dia seguinte à entrevista coletiva sobre a prisão dos suspeitos do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes convocada pelo governador Wilson Witzel; como todos sabem, o MP se recusou a participar da pajelança.

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