quinta-feira, 21 de março de 2019

Concessões marcam a aproximação com os EUA: Editorial / Valor Econômico

O presidente Jair Bolsonaro foi açodado ao agendar, em menos de três meses de governo, encontro com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. A política externa não recebeu nota de destaque em sua breve campanha eleitoral e, desde que assumiu a Presidência, o assunto continuou em tom menor, exceto acordes estridentes emitidos pelo exotismo das posições do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo. Amadorismo e deslumbramento levaram o governo brasileiro a ceder espaço gratuitamente em troca de atos e gestos que custaram pouco ou nada aos Estados Unidos.

Com alta carga simbólica, o ato inaugural da política externa do novo governo fala por si. Ao escolher os EUA como destino de sua primeira viagem oficial, o presidente Jair Bolsonaro mostra que pretende alinhar-se à política americana de forma mais estreita do que até mesmo os governos militares o fizeram. Se depender do chanceler brasileiro, para quem Trump é o Deus encarnado, esse caminho será trilhado. O presidente, em encontros e entrevistas em Washington, se permitiu até opinar favoravelmente à construção de muro na fronteira dos EUA com o México e profetizar que Trump será reeleito.

A aproximação com os EUA, do ponto de vista do interesse nacional, pode ser um avanço ou um retrocesso. O acordo para uso da base de Alcântara, por exemplo, foi um passo positivo, depois que salvaguardas importantes foram aceitas pelos EUA. Mas o movimento principal do governo brasileiro foi de abrir mão de instrumentos sem necessidade.

Trump cria problemas para depois resolvê-los com algum lucro político para si. O Brasil foi convidado há tempos para ingressar na OCDE, o "clube dos países ricos". Com a eleição de Trump, os EUA passaram a criar dificuldades para o ingresso do Brasil, mas não para a Argentina, um país com a economia em frangalhos, a quem Trump deu de graça seu apoio, sem nada exigir. Os EUA explicitaram que se o Brasil quisesse entrar na OCDE deveria abrir mão do status de nação em desenvolvimento no âmbito da Organização Mundial do Comércio. Antes de mais nada, Turquia e Coreia do Sul estão na OCDE e não desistiram de nada na OMC - isso nunca lhes foi solicitado. O Brasil caiu na armadilha criada por Trump, cuja política em relação à OMC é a de dobrá-la à força ou provocar sua paralisia - uma atitude natural em um protecionista radical diante de um organismo multilateral.

O Brasil não precisou se utilizar da proteção que seu status na OMC lhe dá - cláusula 28 -, que permite uma graduação nas decisões de liberalização de mercados e, com isso, adaptações com menor custo econômico e político do que as estabelecidas para os países desenvolvidos. China, Índia, Coreia do Sul e vários outros países não têm escrúpulos em usar essa prerrogativa como arma de barganha. A contrapartida foi um sinal positivo para que o Brasil seja aceito entre os 35 países da organização, de alta renda per capita e índice de desenvolvimento humano - atributos que o Brasil não possui.

Há vantagens em ingressar na OCDE e o Brasil pode tirar proveito disso, mas elas são decorrências de uma série de obrigações e da adoção de políticas que tornarão a economia brasileira melhor regulada, mais aberta e menos hostil aos investimentos externos. Mas não é o Santo Graal - o selo de qualidade implícito que um membro da organização recebe depende, como sempre, de políticas domésticas sensatas. Turquia e Grécia são integrantes da OCDE, não são modelos para nada e têm vivido agudas crises econômicas.

Conceder entrada livre para cidadãos dos EUA e dar ao país cota de 700 mil toneladas de trigo sem tarifas são exemplos de atitudes de boa vontade feitos a quem não parecia estar pedindo nada. Além disso, o Brasil é um grande importador de trigo argentino e não parece ter discutido o assunto com seu vizinho de Mercosul. Estas medidas podem ser úteis quando se está no meio do caminho de uma aproximação efetiva, mas não como abordagem inicial.

O grande aspecto positivo da viagem de Bolsonaro aos EUA foi o que ele deixou de fazer: aliar-se a Trump em sua guerra comercial com a China. Temia-se pelo pior quando o presidente sentou-se ao lado de um pseudo-guru que ataca a China e chama Hamilton Mourão, vice-presidente, de "idiota" um dia sim, o outro também. A arrancada em direção aos EUA precisava de um trunfo vendável e o governo se apegou ao "ok" à OCDE. O Brasil pode até frequentar os salões desse "clube", mas com um quinto da renda média de seus sócios, terá mais a aparência de um intruso.

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