segunda-feira, 25 de março de 2019

*Luiz Carlos Mendonça de Barros: ALR e o silêncio do mercado

- Valor Econômico

Economistas ortodoxos penam para explicar como algumas de suas âncoras teóricas não funcionam mais

O mercado financeiro recebeu com um silêncio ensurdecedor o novo e profundo artigo sobre a economia contemporânea escrito por André Lara Resende1. Agora um economista maduro, com sucesso profissional inquestionável, o Lara dos heróis heterodoxos do Plano Real volta a questionar a sabedoria dominante sobre questões fundamentais da teoria econômica de hoje. E mostra uma coragem intelectual que apenas poucos conhecem ao se arriscar a ser confundido com Guido Mantega e sua Nova Matriz Macroeconômica.

Diferentemente de seu companheiro na descoberta da moeda indexada dos anos finais da ditadura militar, André não perdeu sua capacidade de questionar o senso comum dos economistas que se autotitulam ortodoxos diante das alterações institucionais e operacionais de uma economia de mercado em constante mutação.

Quando questionou a teoria monetária dominante como instrumento eficiente para se combater a inflação como a que ocorria no Brasil de então, as teorias de Milton Friedman já estavam sendo enterradas pelas inovações financeiras que ocorriam nas economias mais avançadas. Mesmo assim a reação dos ortodoxos foi de um incontido desprezo intelectual. Com o fracasso do chamado Plano Cruzado - a primeira versão do Plano Real - o desprezo foi substituído pela chacota que os conservadores sempre reservam aos fracassos dos que ousam desafiar o senso comum. Mas na radicalização do conceito da moeda indexada que ocorreu com a introdução da URV, a dupla Larida alcança o sucesso definitivo de suas ideias revolucionárias para a época.

Agora sessentão, André Lara Resende vai mais longe na sua heterodoxia e questiona duas das vacas sagradas dos economistas conservadores e dos mercados financeiros: os riscos de uma dívida pública em constante crescimento e a expansão monetária sem limites para reduzir o hiato do produto em economias que se recusam a crescer.

Em relação ao primeiro ponto André traz para suas reflexões as contradições no caso do Japão, com sua dívida pública de mais de 200% do PIB e uma moeda que é hoje considerada um refúgio mais seguro do que o dólar de Donald Trump. Até agora o caso japonês sempre foi tratado pela ortodoxia como um exemplo único e não replicável em outros casos. Não explicam porque isto acontece, o que me leva a especular que talvez seja motivado pela dieta do país do Sol Nascente que também é um ponto fora da curva. Mas o que vem acontecendo na Europa Unida, com países como a Itália e a França, com suas sofisticadas e invejadas culinárias, a teoria do sushi como causador da estabilidade no yen, apesar da dívida pública escandalosa, não se sustenta mais.

As novas ideias de André Lara, como disse acima, vem em um momento em que os economistas ortodoxos têm tido enorme dificuldade para explicar como algumas de suas âncoras teóricas não funcionam mais. E isto acontece em duas das maiores economias de mercado do mundo, como os Estados Unidos e a União Europeia. Tomemos o exemplo da já vetusta Curva de Philips e a combinação da taxa de desemprego no mercado americano de trabalho convivendo com aumentos salariais absolutamente normais e a inflação bem abaixo da meta do Fed.

Na Europa e sua política monetária dos últimos anos, normalmente associada a países do mundo emergente, André tem um forte aliado na figura de um italiano - Mario Draghi - que preside desde 2013 o poderoso BCE. Antigo domínio dos monetaristas alemães, a política monetária corajosamente adotada por Draghi, quando uma segunda depressão se formava na Europa, foi recebida pelo presidente do Bundesbank2 com a ameaça de um apocalipse inflacionário que nunca se realizou.

Agora mesmo, com a coragem de sempre, Mario Draghi deu uma volta atrás em sua política de normalização monetária em função do enfraquecimento da economia na virada de 2019. Draghi mostrou como se deve operar um sistema de metas de inflação, ao fazer com que o hiato do produto seja o fator mais importante na sua condução, pois a inflação é um fenômeno que está sempre associado a hiato negativo ou próximo dele.

Infelizmente no Brasil, que sofre há mais de quatro anos de um desemprego indecente, com a indústria manufatureira com um hiato gigantesco, os ortodoxos tomaram conta do sistema bancário público obrigando estas instituições - que são responsáveis por mais de 50% do crédito total - a reduzir seu tamanho e, como o BNDES, devolver ao Tesouro recursos que deveriam ser mobilizados para tirar a economia do buraco atual.

Tempos estranhos meu caro amigo André Lara Resende.

1. "A teoria macroeconômica está em crise. A realidade, sobretudo a partir da crise financeira de 2008 nos países desenvolvidos, mostrou-se flagrantemente incompatível com a teoria convencionalmente aceita. O arcabouço conceitual que sustenta as políticas macroeconômicas está prestes a ruir. O questionamento da ortodoxia começou com alguns focos de inconformismo na academia. Só depois de muita resistência e controvérsia, extravasou os limites das escolas. Embora ainda não tenha chegado ao Brasil, sempre a reboque, nos países desenvolvidos, sobretudo nos Estados Unidos, já está na política e na mídia". 2. Jens Weidmann (20 de abril de 1968) é um economista alemão. Desde 1 de maio de 2011 que é o Presidente do Deutsche Bundesbank em Frankfurt. Foi chefe do Departamento de Política, Económica e Financeira da Chancelaria Federal desde 2006.

*Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é presidente do Conselho da Foton Brasil. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.

Nenhum comentário: