quarta-feira, 6 de março de 2019

Para sindicato, mexer em contribuição é inconstitucional

Por Fabio Graner e Carla Araújo | Valor Econômico

BRASÍLIA - A Medida Provisória 873, que altera as regras para recolhimento da contribuição sindical, estaria alterando o princípio estabelecido na reforma trabalhista de que o negociado prevalece sobre o legislado. Esta é a interpretação do movimento sindical sobre o texto que estabelece que a contribuição sindical só pode ser feita por boleto bancário (sem desconto em folha) e que foi publicado na entrada do feriado prolongado de Carnaval e no mês marcado pelo recolhimento da contribuição sindical anual.

"A medida é inconstitucional e é uma contradição com a reforma trabalhista, que dá prevalência do negociado sobre o legislado. Trata-se de uma alucinação que visa destruir o sistema de relações de trabalho, sindicato e negociação", disse o diretor-técnico do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio. "Agora uma lei quer limitar o poder das negociações na essência básica que é a constituição do sujeito coletivo de representação - o sindicato, a relação deste com o trabalhador, e a relação com o empregador", completou.

A interpretação é rebatida pelo governo. O secretário especial de Previdência e Trabalho do ministério da Economia, Rogério Marinho, destacou ao Valor que o artigo 611b da nova legislação trabalhista destaca que a contribuição sindical só pode ser cobrada mediante autorização prévia, expressa e individual do trabalhador. "Esse é o espírito da lei que estava sendo relativizado em algumas decisões judiciais", disse Marinho, ironizando a contestação sindical sobre a prevalência do legislado sobre o negociado. "Feliz que o pessoal da área sindical esteja defendendo a lei que atacaram", completou.

Outra fonte do governo aponta que a questão do legislado sobre o negociado envolve a relação entre empregador e empregado, e não entre empregado e sindicato. "A nova metodologia de recolhimento de contribuição sindical não é ônus", disse a fonte. Um terceiro interlocutor governamental defende que a MP reforça a liberdade de contribuição definida pela reforma trabalhista, que estaria sendo enfraquecida por negociações sindicais. "Agora, quem quiser pagará seu sindicato por boleto bancário, como paga outras contas", completou a fonte.

Para o professor de direito do trabalho e especialista em relações trabalhistas e sindicais Ricardo Calcini, a MP não teria efeito retroativo e, portanto, não necessariamente impediria o desconto em folha nos casos de acordo coletivos feitos anteriormente à sua publicação e nos quais estejam previstas essa possibilidade.

Ele avalia, entretanto, que a nova legislação pode dar margem para aditivos nos acordos vigentes, de modo a serem adaptados aos termos da MP, impedindo o desconto no contracheque.

Calcini não considera que a medida viole o princípio do negociado sobre o legislado, estabelecido na recente reforma trabalhista. "A própria CLT [Consolidação das Leis do Trabalho] trouxe limites para essa questão", disse, referindo-se ao mesmo dispositivo mencionado pelo secretário Rogério Marinho (artigo 611b). "A MP não criou nada diferente do que estava na CLT", completou o professor de direito.

O especialista, por outro lado, avalia que a edição da MP é inconstitucional pelo aspecto da urgência e relevância, que não haveria no caso. Para ele, o fato de o governo ter editado a medida no mês de março denota uma tentativa de "asfixiar" os sindicatos, que já perderam bastante receitas com a transformação da contribuição sindical de obrigatória em facultativa. "Essa MP vai diminuir ainda mais as receitas dos sindicatos", comentou.

Clemente Ganz, do Dieese, disse esperar "que o Congresso tenha a lucidez de promover uma regulação coerente com os preceitos constitucionais e princípios da OIT [Organização Internacional do Trabalho], fortalecendo as negociações coletivas, os atores (sindicatos, trabalhadores e empregadores) e que garanta a autonomia das partes e a segurança do instrumento jurídico (acordo e convenção)".

Em sua página na internet, a Central Única dos Trabalhadores (CUT) diz que, com a MP, o governo Bolsonaro "declara guerra aos sindicatos porque sente que poderá não aprovar o que tem chamado de 'Nova Previdência', exatamente pela capacidade das entidades sindicais de revelar suas mentiras". A entidade usa os mesmos argumentos do diretor do Dieese. "A MP ataca a prevalência do negociado sobre o legislado, que defenderam quando da votação da reforma trabalhista. Fere de morte o artigo 8º da Constituição da República e as convenções internacionais ratificadas pelo Brasil", diz.

No sábado, quando a MP foi noticiada, o secretário Rogério Marinho disse em sua conta no Twitter que a iniciativa foi necessária devido ao "ativismo judiciário, que tem contraditado o Legislativo e permitido cobrança". Segundo o secretário, o texto "deixa ainda mais claro que contribuição sindical é fruto de prévia, expressa e 'individual' autorização do trabalhador".

Uma medida provisória tem força de lei e passa a valer a partir de sua publicação. Entretanto, ela precisa ser aprovada pelo Congresso em até 120 dias. Caso contrário, perde validade e a regra antiga volta a vigorar. (Colaborou Mariana Muniz)

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