quarta-feira, 13 de março de 2019

Polícia prende acusados de matar Marielle, mas não aponta mandantes

Dupla detida pode fazer delação premiada; MP suspeita de motivação política para o crime

Uma operação da polícia e do Ministério Público prendeu o policial militar reformado Ronnie Lessa e o ex-PM Élcio Queiroz, acusados de serem os assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes, crime que completa um ano amanhã. Segundo a denúncia, Lessa deu os tiros, e Queiroz dirigiu o carro. Os investigadores afirmam que há provas robustas contra a dupla. Embora não se descarte ter sido um crime de ódio, o delegado Giniton Lages, da Delegacia de Homicídios, disse que a descoberta de possíveis mandantes fica para uma “segunda fase” do trabalho. Na denúncia, o MP afirma que Marielle morreu “em razão da atuação política”. De acordo com o governador Wilson Witzel, os dois detidos, que negam envolvimento, podem fazer delação premiada.

RESPOSTA PELA METADE

SUSPEITOS DE EXECUÇÃO DE MARIELLE E ANDERSON SÃO PRESOS, MAS POLÍCIA NÃO DIZ SE HÁ MANDANTE

Chico Otavio e Vera Araújo / O Globo

Quem mandou matar Marielle Franco? A operação que resultou, ontem, na prisão de dois acusados de executarem o crime trouxe informações à tona, mas não respondeu à pergunta e ainda pôs em dúvida um possível crime encomendado. Sabe-se, agora, que há indícios de que o sargento reformado da PM RonnieL essa, de 48 anos, atirou na vereador a do PSOL e no motorista Anderson Gomes; e de que Élcio Vieira de Queiroz, de 46, expulso da corporação em 2015, dirigiu o Cobaltus a do no ataque. Entre as hipóteses levantadas pela polícia está ade crime de ódio, motivado por uma aversão dos supostos autores abandeiras da esquerda. No entanto, os perfis e o patrimônio dos suspeitos indicam que algo maior pode estar por trás da ação.

Realizada por volta das 4h, a chamada Operação Lume (uma referência à localidade do Centro onde Marielle prestava contas à população sobre seu mandato) contou com dois mandados de prisão e 36 de busca e apreensão. Entre os endereços visitados por equipes da Delegacia de Homicídios (DH) da Capital e do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do Ministério Público está uma mansão de Lessa no condomínio Vivendas da Barra, o mesmo onde Jair Bolsonaro tem uma residência — investigadores, no entanto, não estabeleceram qualquer relação entre o presidente da República e o caso. O imóvel é incompatível com os vencimentos de um sargento da reserva. Para os investigadores, o ex-PM recebia dinheiro para cometer assassinatos: ele seria integrante do grupo de matadores de aluguel conhecido como Escritório do Crime. Trata-se de uma quadrilha que age a serviço de contraventores e milicianos, e que, por me iode pagamentos de propina, contaria coma proteção departe da polícia
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MAIOR APREENSÃO DE FUZIS
Agentes usaram até detectores de metais para vasculhara mansão de Lessa. Buscaram fundos falsos, tiraram telhas e entraram numa caixa-d’água. Apreenderam documentos e computadores, mas foi na casa de um amigo dele, no Méier, que encontraram uma possível prova de seu envolvimento com atividades criminosas: um paiol com 117 fuzis desmontados — foi a maior apreensão desse armamento já feita no estado. O dono do imóvel disse que, sem saber, guardava o arsenal (que incluía silenciadores e cerca de 500 projéteis), para o PM da reserva, que também vai responder por tráfico de armas.

Equipes da DH e do Gaeco ainda foram à casa de Élcio, no Engenho de Dentro, e quase não o encontraram. Assim como Lessa, ele estava saindo no momento em que os agentes chegaram. A promotora Simone Sibílio contou, em uma entrevista coletiva, que a Operação Lume estava marcada para hoje, um dia antes de o assassinato de Marielle e Anderson completar um ano, mas foi antecipada porque surgiram indícios de vazamento de informações. Lessa, segundo ela, disse informalmente aos policiais que soube da operação.

Lessa e Élcio, que por meio de seus advogados negaram o crime, vinham sendo monitorados. De acordo com investigadores, eles passaram o carnaval juntos numa casa em Angra dos Reis, onde, segundo Simone Sibílio, fizeram passeios de lancha. A relação de amizade teria virado uma parceria no assassinato de Marielle, três meses antes da ação que culminou nos 13 disparos contra o carro da vereadora, no Estácio. Para chegar aos suspeitos, a DH e o Gaeco tiveram de contar, primordialmente, coma tecnologia.

REDE DE 33.328 CELULARES
Sem provas testemunhais e sem encontrar o carro clonado usado pelos assassinos, a investigação partiu da análise de sinais de celulares captados por antenas de Estações de Rádio-Base (ERBs). A polícia rastreou todos os aparelhos, 33.328, que estavam ligados nos locais por onde Marielle passou no dia do crime, desde a saída da Câmara Municipal até o local da emboscada. Tendo como base o horário em que uma câmera de segurança captou a luz de um telefone dentro do veículo usado para perseguira vereadora, a Polícia Civil fez uma triagem e chegou a 318 linhas. Entre muitos suspeitos investigados, o nome de Lessa só chegou através de uma denúncia, em outubro do ano passado, permitindo que fosse jogado nessa trama de ligações, que deu positivo para sua presença no local dos assassinatos.

Alinha não estava cadastrada em seu nome, mas L essa teria inserido dados pessoais no celular para acessar aplicativos. Com uma ordem judicial, investigadores acionaram as empresas responsáveis por esses programas e obtiveram informações armazenadas em nuvens (arquivos on-line). Souberam, então, que o sargento da reserva monitorava a agenda de Marielle Franco e buscou o endereço da vereadora na Infoseg, rede de informações mantida por órgãos de segurança pública de todo o país.

Através de câmeras de segurança, foi possível colher um grande volume de imagens do carro dos assassinos, desde o momento em que passou pelo Quebra Mar, na Barra, até o local da emboscada. Numa delas, é possível ver um braço do ocupante do banco traseiro, que seria Lessa. Uma tatuagem o teria identificado.

—Fizemos uma sobreposição de imagens, comparando ad ovídeo comum a outra na qual aparece o braço tatuado dele —explicou a promotora Elisa Fraga, da Coordenadoria de Segurança e Inteligência (CSI) do Ministério Público.

Os mandados de prisão e busca e apreensão foram expedidos pelo juiz Gustavo Kalil, do 4º Tribunal do Júri. E o Ministério Público afirmou que a operação foi deflagrada às vésperas de o crime completar um ano porque só agora estava “madura”.

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