quarta-feira, 20 de março de 2019

Rosângela Bittar: Paz em Rose Garden, guerra no cerrado

- Valor Econômico

O governo está fraco e isso ficou claro no que ocorreu aqui

Sem os inúteis e batidos complexos de inferioridade e a falsa subserviência como quer fazer crer a turma da ideologia na política externa do PT. A cena em Rose Garden, ontem, foi bacana mesmo: Jair Bolsonaro falando de forma correta, com frases bem construídas com sujeito, verbo e objeto, bem treinadas, à altura da naturalidade do seu parceiro americano, Donald Trump. Gentilezas para cá, devolvidas para lá, assuntos delicados omitidos com a tarja explícita de secretos, anúncios de negócios, tudo pareceu muito civilizado. Esperava-se o pior não só pelo nosso representante como pelo seu interlocutor.

O pior não veio, mas o melhor não refletiu o Brasil do momento. Na viagem, o presidente exibiu uma espécie de governo fantasia, distante daquela realidade que por aqui se instalou nos últimos dias. Bolsonaro viajou aos Estados Unidos, numa visita de Estado que pretende inaugurar a volta de uma relação amistosa entre os dois países, estressados por políticas anteriores, levando na comitiva os principais ministros do governo, inclusive seu alter ego, general Augusto Heleno. Levou também o filho Eduardo, deputado da Comissão de Relações Exteriores da Câmara, único a participar de sua conversa com Trump. Mas para não deixar vazio em Brasília, Carlos Bolsonaro, o filho vereador, assumiu o espaço de governo e despachou em gabinetes oficiais.

Na antevéspera de embarcar para a viagem mais emblemática que certamente fará durante seu mandato, Bolsonaro reuniu um grupo de convidados em um café da manhã, no qual anunciou a demissão de 15 embaixadores. Entre eles, o que preparou sua agenda nos Estados Unidos, Sergio Amaral, ex-ministro com história e experiência.

A falta de polidez transbordou e ajudou o presidente a se esquecer que embaixadores e generais pertencem a carreiras nas quais, para ser demitido, o funcionário tem que ter cometido falta gravíssima. O que ele pode fazer é remover, transferir, dar discretamente outras funções ou nenhuma, mas jamais desmoralizar, como fez, quem negociava sua visita.

Também degradante para o Brasil o que o guru inspirador do presidente vem fazendo nas redes sociais e repetindo em entrevista nos Estados Unidos, ao comentar a visita. Com ideia fixa por determinada parte do corpo, o "filósofo" Olavo de Carvalho tem se especializado em agredir membros do governo, em exigir demissões, em manobrar para manter o controle dos atos de seus indicados na Educação e nas Relações Exteriores, tudo isso movido a palavreado chulo que, dizem, lhe dá destaque e sucesso na internet. Esta semana ele recorreu ao seu vocabulário pornográfico para dar entrevista, nos Estados Unidos, onde mora, sobre o governo Bolsonaro a quem vaticinou uma sobrevivência de seis meses. Prêmio: foi convidado de honra ao jantar, com direito a foto o mais o próximo possível do presidente, oferecido à comitiva.

O general Hamilton Mourão, vice-presidente, no exercício do cargo de presidente, teve no período da viagem longa e inexplicável reunião com o governador de São Paulo, João Doria. A vice-ministra da Educação já indicada, Iolene Lima, recebida como solução dos problemas no ministério onde o ministro está pendurado na nota, podendo tomar bomba a qualquer momento, foi revelada em reportagens e o retrato ficou esquisito. Entre suas ideias, estão as de que o ensino deve ser baseado na palavra de Deus. Anos atrás, havia dito que o primeiro matemático e geógrafo tinha sido Deus. No seu site, segundo se noticiou, afirma ter adotado conteúdos curriculares "dentro da cosmovisão bíblica".

A reforma da Previdência marcou passo em toda a semana mas, se algo avançou, foi o recuo dos partidos, em especial o PDT, que tem projeto político e candidato a presidente da República, o ex-ministro Ciro Gomes. O PDT fechou questão contra a reforma, no que deve ser seguido pelo PSB e PCdoB, entre outras legendas que se incluem no espectro da esquerda.

O que é uma má notícia para o governo, pois essa é a pior guerra, a eleitoral. Como Bolsonaro até agora não acenou com a paz na sua relação com o Congresso, com os partidos, com os líderes, fala mal de todos e todos são informados disso, o PDT aproveitou o embalo. Acha que o caminho do futuro eleitoral é o enfrentamento a Bolsonaro.

A decisão do PDT se somou à decisão dos governadores do Nordeste mostrando tendência contra a reforma.

Pode ser que nenhum partido mais feche questão, mas, sabe-se, a esquerda dirá que é contra, as bancadas das corporações dirão que são contra, e os demais dirão que vão estudar o caso.

Além disso, os passos que o governo deu nos últimos dias em direção á negociação da reforma foram calcados na negociação com o Congresso por debaixo do pano. O governo está prometendo cargos e verbas, como todos os governos do mundo que desejam a participação dos partidos em votações de seu interesse. Mas escondido e com vergonha fica difícil levar adiante.

Outra notícia surpreendeu: alguém, da família do ministro da Economia, Paulo Guedes, provavelmente a filha, teria dito em uma roda de políticos brasilienses que o pai já deixou claro, se as coisas não andarem como quer, vai embora. Um contraste com a força demonstrada pelo ministro na viagem aos Estados Unidos. O ministro da Educação está praticamente demitido, o das Relações Exteriores praticamente interditado.

E surgiu, com força, ainda esta semana, algo que vinha se delineando aos poucos, o fator Rodrigo Maia. Há quem veja, no presidente da Câmara, um apoiador da reforma da Previdência, o comportamento semelhante ao que teve quando se preparou para assumir o lugar do ex-presidente Michel Temer. Critica-se, nele, o excessivo peso dado ao Centrão, intervencionista demais e autorreferido. O governo não consegue articular a base de apoio, seus líderes no Congresso são novatos e não sabem da missa a metade, os predadores logo se apresentam ao notar os pontos obscuros.

A leitura correta dos fatos que aqui ocorreram esta semana é: governo fraco. Muito diferente daquele que foi exibido na América do Norte.

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