quarta-feira, 20 de março de 2019

Tropeçando na Casa Branca: Editorial / O Estado de S. Paulo

O presidente Jair Bolsonaro foi incapaz de responder à imprensa internacional, no jardim da Casa Branca, se o Brasil apoiará ou deixará de apoiar uma ação militar dos Estados Unidos contra a Venezuela. “Tem certas questões que, se você divulgar, deixam de ser estratégicas”, disse o presidente em resposta à pergunta. “É uma questão de estratégia”, acrescentou pouco adiante. “Tudo que tratamos aqui será honrado.” Antes, o presidente Donald Trump havia repetido sua declaração mais conhecida a respeito das possíveis ações contra o governo do ditador Nicolás Maduro: “Todas as opções estão sobre a mesa”. Nenhum dos dois detalhou a conversa sobre a questão venezuelana nem revelou compromissos a serem honrados. Nessa altura, o presidente brasileiro já havia deixado de esclarecer se o governo brasileiro permitirá a instalação de uma base militar americana no País. Contornou a questão, lembrando o uso do território brasileiro para o envio de ajuda humanitária, e apenas admitiu: “No que for possível fazermos juntos para solucionar o problema da ditadura venezuelana, o Brasil estará a postos”.

Os presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro falaram aos jornalistas no jardim da Casa Branca depois de uma reunião fechada. Além do mal explicado compromisso de cooperação contra a ditadura venezuelana, apresentaram um balanço das conversações entre a delegação brasileira e as autoridades americanas.

O presidente dos Estados Unidos anunciou a intenção de apoiar o ingresso do Brasil na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), sem explicar, no entanto, se haverá condições. Na véspera, o principal negociador comercial dos Estados Unidos, Robert Lighthizer, havia imposto uma condição ao ministro da Economia, Paulo Guedes. Para entrar na OCDE o Brasil terá de renunciar, na Organização Mundial do Comércio (OMC), ao tratamento especial concedido a economias emergentes e em desenvolvimento.

Se o presidente Trump apoiar essa exigência, o acesso à OCDE terá um custo especial. Mas o assunto só se tornou tão custoso diplomaticamente porque o atual governo americano decidiu dificultar a entrada de novos sócios na organização. Em outros tempos, nem seria tema de uma visita presidencial.

Todos os demais entendimentos anunciados poderiam ter sido encaminhados sem a pompa de uma visita presidencial. O acordo de proteção tecnológica para uso da base de lançamentos de Alcântara, no Maranhão, já estava encaminhado e poderia ter sido sacramentado em nível ministerial. Isso vale também para a cooperação em questões energéticas, o fórum de dirigentes de empresas, a colaboração contra o terrorismo e o crime transnacional e assuntos de nível comparável. A visita do presidente à sede da Agência Central de Inteligência (CIA), em Langley, teve a relevância de uma viagem à Disneylândia.

Antes do encontro na Casa Branca, o presidente Bolsonaro e ministros participaram de dois eventos. No domingo à noite, num jantar, o presidente prestou homenagem a seu guru intelectual e político, Olavo de Carvalho, e ao ex-estrategista do candidato Trump Steve Bannon, hoje malvisto na cúpula do governo americano. No dia seguinte, houve um encontro com empresários.

O ministro Paulo Guedes falou sobre a reforma da Previdência e sobre seus planos de reduzir a presença do Estado na economia brasileira. Só fez uma ressalva: o Brasil deve continuar comerciando com parceiros de sua escolha, incluída a China. Sem surpresa, foi aplaudido.

Em todas as ocasiões, o presidente Bolsonaro aproveitou para declarar sua admiração pelos Estados Unidos de Donald Trump e para afirmar suas semelhanças com o presidente americano – ambos vítimas, segundo insistiu, de perseguição da imprensa. Também defendeu a construção de um muro na fronteira com o México, tema constante de divergência entre o presidente Trump e os democratas.

Nenhum acordo comercial foi assinado ou sequer lançado e nem sequer se falou, concretamente, de maior cooperação econômica. Talvez surja algo adiante. Bolsonaro disse acreditar piamente na reeleição do presidente americano em 2020. O segundo mandato pode ser promissor para o Brasil.

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