terça-feira, 16 de abril de 2019

Ana Carla Abrão*: Liberdade, liberdade

- O Estado de S.Paulo

Assim como a ordem permite avançar, o excesso de regras podem fazer retroceder

O Estado tem o poder de interferir no funcionamento da economia de diversas formas. É o poder público quem detém, em caráter exclusivo, a prerrogativa de regulamentar o funcionamento da economia em questões que vão desde a ordem macroeconômica, como, por exemplo, a determinação da taxa de juros (ou da meta de inflação), até o reconhecimento (ou não) da legitimidade de contratos, passando por autorizações e licenças para funcionamento de empresas, taxação ou isenções tributárias, fiscalização e tantas outras.

O conceito que se assenta por trás da regulação pública das atividades econômicas é o da correção de eventuais falhas de mercado que nos distanciam dos resultados gerais de um ambiente competitivo, transparente e eficiente. Além disso, há setores e atividades que demandam regras e critérios de funcionamento que garantam a proteção dos interesses da sociedade. São atividades onde os incentivos e resultados individuais estão desalinhados dos interesses da coletividade. Aqui, Direito e Economia se misturam e abarcam, além dos serviços públicos, as regulações financeira e de seguros, a ambiental, de preços de bens e serviços e diversas outras atividades privadas que são objeto de regras, licenças, critérios pré definidos e monitoramento por parte do poder público.

Mas assim como a boa regulação ajuda, a má atrapalha. Assim como a ordem permite avançar, o excesso de regras e sua sobreposição podem fazer retroceder. Excesso de regulação e/ou regulação mal desenhada geram restrições à liberdade econômica, comprometendo o ambiente de negócios e inibindo o empreendedorismo e a inovação. Uma burocracia custosa e pouco eficaz compromete os resultados e entrega uma economia menos produtiva. Regras inúteis e contraditórias reduzem o investimento privado e, consequentemente, a capacidade de crescimento do país e de geração de emprego e renda para a sua população. É o caso do Brasil de hoje.

Pela Constituição de 1988, cabe à União ditar normas e regras de Direito Econômico. Desde então, regulamentações e normas foram se sobrepondo e se multiplicando. Amparadas na autonomia federativa de Estados e municípios, regras redundantes, quando não inconsistentes entre si, ampliaram a exigência de licenças, a definição de critérios de funcionamento, regulando preços, interferindo e normatizando a atividade econômica privada sem avaliação dos benefícios e menos ainda dos custos que lhes são impostos. Daí ainda se segue um enorme aparato de regulamentação, monitoramento e controle, igualmente caro e de baixa eficácia, gerando espaço para corrupção num mundo onde a complexidade define o preço das facilidades.

É hora de se rever e de simplificar essa burocracia com vistas a devolver à liberdade econômica seu papel na economia brasileira. E é a isso que veio a excelente e corajosa proposta que o Grupo Público da FGV Direito SP e da Sociedade Brasileira de Direito Público, sob a coordenação do Prof. Carlos Ari Sundfeld, apresentada na última semana em evento no TCE de São Paulo. Trata-se de um projeto de Lei Nacional de Liberdade Econômica, cujo principal objetivo é o de evitar a ineficácia e os excessos da regulação pública sobre o setor privado.

O projeto parte do conceito de que ao Estado cabe o ônus da prova. Ou seja, as interferências do poder público nas atividades privadas devem obedecer princípios de eficácia e de resultado, e não podem criar barreiras à entrada e impor custos desnecessários à atividade econômica. Exigências de autorizações não podem ser criadas do nada e há que se atender a um prazo máximo de deliberação para aquelas que se justifiquem. Além disso, toda intervenção deve ser avaliada, revista e eventualmente interrompida até por ser, na partida, experimental e provisória e já nascer com prazo de validade. Para tanto, avaliações de impacto passam a preceder a edição de qualquer interferência e a acompanhá-la como condição para a sua continuidade.

Ou seja, a Lei Nacional de Liberdade Econômica, nos seus magistrais seis capítulos, busca devolver consistência, equilíbrio, eficiência e parcimônia à ação reguladora do Estado. Mas, acima de tudo, uma vez aprovada, a Lei devolverá asas à liberdade econômica para que ela as abra sobre nós e contribua para um Brasil mais próspero, desenvolvido e justo.

*Economista e sócia da Consultoria Oliver Wyman

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