domingo, 7 de abril de 2019

Bernardo Mello Franco: Cem dias sem glórias

- O Globo

Bolsonaro vai fazer cem dias no Planalto. Ainda é cedo para julgar o governo, mas já ficou claro que ele não estava preparado para governar

Na sexta-feira, Jair Bolsonaro refletiu em voz alta sobre os primeiros meses no poder. “Desculpem as caneladas. Não nasci para ser presidente, nasci para ser militar”, disse. Diante de uma plateia de servidores, ele emendou outra inconfidência: “Eu às vezes pergunto, olho para Deus e falo: ‘Meu Deus, o que é que eu fiz para merecer isso?’ É só problema!”.

Se Ele for mesmo brasileiro, já deve ter se cansado de ouvir essa pergunta nos últimos tempos.

Bolsonaro está prestes a completar cem dias no Planalto. Ainda é cedo para julgar o governo, mas já ficou claro que o presidente não estava preparado para o cargo.

O presidente passou os últimos 28 anos no Congresso, quase o dobro dos 15 que viveu nos quartéis. Dedicou sete mandatos à fabricação de polêmicas e à busca incessante pelo confronto. A vocação para a guerra o ajudou a se eleger, mas tem se revelado um obstáculo para governar.

Até aqui, o capitão já abriu fogo contra adversários reais e imaginários. Bradou contra o socialismo, atacou países vizinhos, ofendeu parceiros comerciais e brigou com políticos que se dispunham a apoiá-lo.

Um deles foi o presidente da Câmara, que revidou as provocações com derrotas amargas para o governo. Num dos capítulos do bate-boca, ele disse que Bolsonaro “está brincando de presidir o Brasil”. Não é o único a fazer o diagnóstico.

Além de manter o tom belicoso da campanha, o presidente permitiu que a Esplanada virasse um parque de diversões da extrema direita.

Nos episódios mais caricatos da disneylândia olavista, a ministra das Mulheres disse que as meninas deveriam vestir rosa e o ministro das Relações Exteriores prometeu libertar o Itamaraty do “marxismo cultural”. No mais perigoso, o ministro da Educação ameaçou mudar os livros didáticos para exaltar o golpe de 1964.

O Planalto dá aval às maluquices quando o presidente reverencia um guru desbocado e a Secretaria de Comunicação divulga vídeo apócrifo com elogios à ditadura.

As confusões da largada produziram um desgaste precoce no governo. A popularidade do presidente despencou 15 pontos, e o mercado financeiro começou a trocar a euforia pela cautela. As previsões para o PIB deste ano caem há cinco semanas seguidas, de acordo com o boletim Focus do Banco Central. Na edição passada, o índice estreou abaixo dos 2%. O relatório é anterior ao tchtchucagate, que expôs o pavio curto do ministro Paulo Guedes e a falta de articulação para defendê-lo na Câmara.

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Lula completa hoje um ano preso. Continua proibido de dar entrevistas e enfrenta um endurecimento das regras da cadeia. Desde a posse do novo governo, a Polícia Federal reduziu seu contato com advogados e a juíza Carolina Lebbos restringiu seu direito a receber visitas.

O ex-juiz Sergio Moro, que prendeu o ex-presidente a seis meses da eleição, foi promovido a ministro da Justiça. Na sexta, Bolsonaro brincou com as aspirações políticas do aliado. “Pode pegar, Moro!”, disse, apontando a cadeira presidencial.

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