domingo, 14 de abril de 2019

Celso Ming: A desastrada intervenção da Petrobrás

- O Estado de S.Paulo

Com essa disposição de intervir desastradamente na economia, o risco maior é o de que o ministro Paulo Guedes apague a luz do seu gabinete e tome a direção de casa

Nada mais ilustrativo do que foram as contradições destes cem primeiros dias do governo Bolsonaro do que essa intervenção desastrada, tipo Dilma, na Petrobrás.

As incoerências e desencontros já eram visíveis desde a própria formatação do governo, se é que há uma. A área econômica, por exemplo, assumiu postura declaradamente liberalizante. A chancelaria, no entanto, trabalha na direção oposta, afirma-se antiglobalista e dirigista. Enquanto isso, o presidente reconhece que não entende nada de economia e que, em questões a ela pertinentes, consultaria “o posto Ipiranga”, ou seja, o ministro da Economia, Paulo Guedes. Em várias situações-chave, não foi o que aconteceu.

No caso da Petrobrás, por exemplo, o governo já havia determinado maior espaçamento nos reajustes do óleo diesel e empurrou a empresa para participação em leilão de licitação destinada à produção de petróleo e gás em Israel, objetivo totalmente fora da área de prioridades. Ao determinar por telefonema ao presidente da Petrobrás, Roberto Castello Branco, a suspensão do reajuste dos preços do óleo diesel, desta vez de 5,7%, Bolsonaro impôs não só perdas à Petrobrás, mas, também, à própria política de petróleo, definida pelo seu governo.

Ela prevê a venda de participação em refinarias e a construção de novas. Qual é o investidor, nacional ou estrangeiro, que aceitará investir em refinarias se os preços dos derivados passam a ser definidos arbitrariamente pelo governo.

A reação do mercado a essa intervenção foi acachapante. Apenas no pregão de sexta-feira, a Petrobrás perdeu R$ 32 bilhões de seu valor de mercado. E o nível de incertezas disparou.

A alegação para a decisão tomada é estapafúrdia. Afirmou o presidente que para ele é incompreensível reajuste de 5,7% do óleo diesel se a inflação anual corre abaixo dos 5%. Ignora ele que os preços dos derivados são determinados por cotações internacionais, transformados em reais pela cotação do câmbio. E, no entanto, apenas neste começo de 2019, as cotações internacionais do petróleo dispararam 30%.

O governo Bolsonaro mostrou nestes primeiros cem dias hipersensibilidade incomum aos interesses corporativos. Também contra a política de ataque ao déficit praticada pelo ministro Paulo Guedes, determinou perdão de R$ 17 bilhões nas dívidas dos produtores com o Funrural e aumentou os soldos dos militares. Sem esperar pelas negociações no Congresso, foi logo admitindo uma redução da idade mínima no projeto de reforma da Previdência. Agora, pretendeu fazer o jogo imediatista dos caminhoneiros.

A economia vinha se mantendo relativamente estável, apesar dos rombos e do avanço da dívida. A inflação está sob controle, os juros são os mais baixos da história do Banco Central, não há corrida ao dólar como nas grandes crises dos anos 70 e 80, os bancos operam com boa saúde patrimonial, os leilões de concessão de serviços públicos seguem com razoável sucesso e a reforma da Previdência parece bem encaminhada. O climão geral era o de que, apesar de tudo, como no filme de Federico Fellini, la nave va.

Com essa disposição de intervir desastradamente na economia, o risco maior é o de que o ministro Paulo Guedes apague a luz do seu gabinete e tome a direção de casa. Ele já afirmou que não tem nenhum apego ao cargo e que, se não é para colocar em prática políticas racionais, não vacilará em deixar o governo. Se isso acontecer em clara situação de contradição e de bloqueio da agenda liberal, o desastre deixará avarias incomensuráveis, principalmente se o vácuo não for preenchido por nenhuma outra estratégia coerente de condução da política econômica.

Isso já acontece na área da política propriamente dita. Se foi necessário abandonar o modelo anterior baseado no chamado presidencialismo de coalizão, decisão que pareceu inevitável, então passou a ser preciso definir nova estratégia de exercício do poder, para que o jogo de alianças, imprescindível para definições de grande importância, não se torne refém dos grupos de interesses. Isso não aconteceu.

Enfim, se os cem primeiros dias devem servir para definir as expectativas do período restante de quatro anos de governo, então as coisas ficaram nebulosas. Há quem afirme que é preciso armar-se com boa dose de tolerância e dar um tempo para que dirigentes inexperientes, como os da atual administração Bolsonaro, se familiarizem com as alavancas da cabine de comando e aprendam a governar. Infelizmente, qualquer professor sabe que há alunos que não aprendem nunca.

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