domingo, 21 de abril de 2019

Clóvis Rossi: Classe média é espremida aqui e na OCDE

- Folha de S. Paulo

Encolhimento não é um fenômeno apenas econômico e social, mas tem também implicações políticas

Caro leitor, se você é da classe média, como eu e como a maioria dos leitores desta Folha, tenho um aviso desagradável: estamos encolhendo. É pelo menos o que diz um amplo relatório da OCDE(Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o clubão dos 36 países mais ricos do mundo).

“Hoje em dia, a classe média parece crescentemente estar em um barco navegando águas turbulentas”, disse Angel Gurría, secretário-geral da organização, ao lançar o relatório.

Cá entre nós, você já deve ter pensado o mesmo em algum momento recente, certo? O encolhimento da classe média não é um fenômeno apenas econômico/social: tem também implicações políticas. Classe média costuma ser um fator de estabilidade política.

Para Gurría, economista e ex-ministro mexicano, uma classe média cujo padrão de vida seja protegido e estimulado “ajuda a promover crescimento sustentável e a criar um tecido social mais coeso e estável”.

Em uma das edições do fórum de Davos, ouvi John Sweeney, então presidente da poderosa central sindical americana AFL/CIO, criticar a sabedoria convencional que atribuía a uma guinada neoliberal de Bill Clinton a prosperidade dos anos dourados que então se viviam. Sweeney dizia que o grande fator de estabilidade e da prosperidade da época era exatamente a imensa classe média americana.

O informe da OCDE mostra que, em três décadas, a porcentagem de famílias consideradas de classe média caiu de 64% para 61%.

O Brasil não está incluído no estudo por não ser ainda membro do clubão, mas também nele a classe média está “espremida”, como diz o título do estudo. Detalhes mais adiante.

Um dos motivos do declínio nos países da OCDE é simples de explicar: o custo de vida subiu mais que as rendas dessas famílias. Exemplo: habitação consome hoje um terço do ingresso disponível, quando comia apenas um quarto nos anos 90.

Claro que é sempre complicado definir quem é classe média. A OCDE lembra que, durante muito tempo, ser de classe média significava viver em uma casa cômoda com um estilo de vida gratificante e um trabalho estável com oportunidades de carreira (algo muito próximo ao chamado sonho americano, idílico demais para a maioria dos brasileiros).

Um critério menos etéreo diz que classe média é quem ganha entre 75% e 200% da mediana da renda nacional.

O encolhimento da classe média vem acompanhado da prosperidade dos mais ricos: o relatório mostra que, em 1980, a renda da classe média quadruplicava a dos mais ricos, ao passo que, atualmente, representa menos de três vezes.

No Brasil, um outro estudo —do Banco de Dados da Renda e Riqueza Mundial, centro pilotado pelo economista francês Thomas Piketty— mostra que, de fato, a classe média ficou “espremida” entre um avanço dos mais ricos e o dos mais pobres: na primeira década do século, os 10% mais ricos viram sua fatia da riqueza nacional subir de já opulentos 54% para 55%.

Os 10% mais pobres também ganharam um ponto (de 11% para 12%), mas ainda assim tem-se a obscenidade de 10% levarem para casa cinco vezes mais riqueza que 50%. Já a classe média (os 40% restantes) perdeu dois pontos percentuais, um para cada um dos extremos.

Parece razoável imaginar que essa situação, aqui como no resto do mundo, ajudou muito a dar impulso a populistas de diferentes cores.

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