sexta-feira, 5 de abril de 2019

Corte e costura: Editorial / Folha de S. Paulo

Após audiência de Guedes na Câmara, Bolsonaro faz movimento mais promissor

Convém não atribuir significados definitivos às escaramuças em que o ministro Paulo Guedes, da Economia, se envolveu durante audiência na Câmara dos Deputados, bem como à reação negativa da Bolsa de Valores ao evento.

Sim, Guedes se viu submetido a um bombardeio retórico sem contar com maior contraponto de vozes aliadas, numa demonstração de como o governo Jair Bolsonaro (PSL) está despreparado para os embates parlamentares.

No entanto isso não chega a ser surpresa —o ministro já havia cancelado uma participação anterior na mesma Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) sabendo que um ambiente hostil o aguardava.

Ele em nada contribuiu para o progresso da reforma da Previdência, decerto, ao reagir à provocação pueril de um apagado deputado do PT. Tampouco seu rompante parece ter produzido mais danos do que chacotas, porém.

Só um nefelibata imaginaria que um técnico, por mais capacitado, fosse arrebatar aquela plateia apenas com a força de números e argumentos —de resto sobejamente conhecidos a esta altura— ou com habilidade retórica.

Se tais recursos sem dúvida são relevantes, sobretudo para o convencimento da sociedade, o avanço de um projeto tão complexo e espinhoso não prescinde, por óbvio, de um amplo entendimento entre o Planalto e legendas representadas no Congresso.

Com a devida cautela, pode-se dizer que Jair Bolsonaro (PSL) fez nesta quinta (4) um movimento importante, embora já tardio, nesse sentido. O presidente se reuniu com dirigentes de meia dúzia de partidos, aí incluídos os tradicionais MDB, PSDB e DEM, dando início a uma sequência de conversas a continuar na próxima semana.

Das três siglas, apenas a última está representada no primeiro escalão do Executivo federal e cogita um apoio formal ao governo. Outros, como o tucano Geraldo Alckmin, retomam a velha tese de apoiar projetos de interesse do país, mantida a independência.

Já o sempre loquaz vice-presidente, Hamilton Mourão, dispensou os rapapés ao admitir que eventuais alianças poderão passar, mais cedo ou mais tarde, pela oferta de cargos na administração.

Também nesse caso, é cedo para acreditar que Bolsonaro tenha deixado de lado as imprecações estéreis contra a “velha política” —ou que a recuperação circunstancial dos mercados indique algum restabelecimento da confiança.

O presidente, de todo modo, parece menos distante de compreender que a negociação, além de inevitável, é fundamental. Os termos de troca serão mais virtuosos se os acordos se derem em torno da agenda nacional, o que demandará o abandono de fantasias revolucionárias e da repulsa à divergência.

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