terça-feira, 30 de abril de 2019

Cristovam Buarque*: Lava-Tudo

- O Globo

O Brasil descobriu a corrupção no comportamento de políticos que roubam, mas é preciso perceber e acabar com as demais formas de corrupção

A Operação Lava-Jato conseguiu o grande feito de despertar uma consciência nacional contra a corrupção no comportamento dos políticos brasileiros. Mas ainda não houve um verdadeiro despertar da consciência nacional contra as outras formas de corrupção.

Já prendemos políticos que desviaram para seus bolsos o dinheiro que deveria ser destinado ao gasto com a população, mas não condenamos políticos que cometem a corrupção nas prioridades, desviando recursos públicos sem consequência social. O gasto de quase dois bilhões para um estádio de futebol em Brasília, a poucos quilômetros de distância de onde vivem dezenas de milhares de pessoas sem saneamento, foi um ato de corrupção, mesmo que não tivesse havido pagamento de propina e roubo de dinheiro para o bolso de políticos.

Mesmo obras necessárias e urgentes implicam corrupção quando seus gastos são elevados pela monumentalidade desnecessária. A maior parte das edificações no Legislativo e no Judiciário carrega a corrupção do desperdício pela ostentação. O mesmo pode-se dizer dos luxuosos prédios do Ministério Público, instituição que luta contra a corrupção no comportamento dos políticos, mas tolera a corrupção nas prioridades e a corrupção do desperdício.

E o que dizer de uma obra necessária que, embora austera, carrega a corrupção da ineficiência pelo descaso com os assuntos e gastos públicos? As ferragens, areia, cimento de obras paradas formam esqueletos da corrupção da ineficiência. Da mesma maneira, há corrupção no relaxamento dos serviços que não atendem bem ao público, por culpa do mau funcionamento da máquina ou pela má postura de servidores.

Há corrupção nos desperdícios para atender a mordomias e privilégios que desviam dinheiro público para beneficiar servidores do topo de carreiras do Estado. Além de se apropriar de dinheiro público, para atender a interesses privados, a corrupção das mordomias e privilégios corrói a credibilidade do Estado, provocando perda de credibilidade na democracia e no Estado.

A Operação Lava-Jato trouxe a consciência e a indignação com a corrupção no comportamento da classe política, que rouba para seus bolsos, mas não desnudou a corrupção da deseducação que compromete o futuro do país ao deixar o Brasil com um dos piores sistemas educacionais, e o mais desigual no mundo, e por termos ainda dez milhões de adultos analfabetos, no máximo 20% dos nossos jovens terminando o ensino médio com razoável qualidade.

A corrupção da deseducação rouba cruelmente, ao comprometer a eficiência econômica e impedir a justiça social. Essa é a pior das corrupções porque incinera o futuro de nossas crianças e por elas o futuro da Nação; e ainda esconde as outras corrupções pela falta de consciência.

A corrupção ecológica vandaliza o futuro ao devastar nossas matas, sujar nossos rios, poluir nosso ar. A corrupção monetária pela inflação, que seduz os populistas, rouba o assalariado do valor de seu salário, pago com dinheiro falso e desorganiza o empresário que fica sem um padrão para o valor nominal dos insumos que compra e dos produtos que vende.

O Brasil descobriu a corrupção no comportamento de políticos que roubam, mas é preciso perceber e acabar com as demais formas de corrupção que comprometem o bom funcionamento e o futuro do país, nas prioridades, nas mordomias, na ostentação, na ineficiência, na irresponsabilidade, na deseducação, na ecologia e na inflação.

Mais do que uma Operação Lava-Jato, precisamos de uma Operação Lava-Tudo para todas as formas de corrupção.

*Cristovam Buarque é professor emérito da Universidade de Brasília

Um comentário:

José Carlos Gomes disse...

Faltou apenas dizer que todas as formas de corrupção em boa hora citadas pelo Cristóvão são indutoras da corrupção que agora pertence ao senso comum, associada ao roubo. Podemos englobar tudo isso numa caixa de Pandora chamada de Ineficiência Sistêmica. Desde o asfalto que dilui na chuva até a mala de dinheiro com rodinhas.