sexta-feira, 19 de abril de 2019

Merval Pereira: Em busca da coalizão

- O Globo

Maiorias eventuais são incertas e podem sair mais caro para o governo na negociação das reformas

O presidente Bolsonaro está em busca de um modelo de negociação com os partidos que pressupõe o fim do chamado de “tomada-lá-dá-cá”, mas não tem proposta para viabilizar uma relação que permita ao governo ter uma base política sólida. Por isso até agora não conseguiu grandes avanços nas negociações da reforma da Providência.

Ele tem a intenção de fazer maiorias eventuais, dependendo de cada projeto que o governo apresente. Mas o que parece uma boa ideia pode sair muito mais caro, e não apenas na barganha de votos por vantagens indevidas. Pode sair mais caro do que negociar um programa de governo que inclua todos os projetos importantes.

Sabe-se, por exemplo, que o superministro da Economia Paulo Guedes tem uma série de reformas engatilhadas: tributária, pacto federativo, e por aí vai. Por que não reunir os partidos que podem compor a base, além dos que eventualmente o apoiarão pontualmente, como DEM ou o PSDB, e não negociar um programa de governo, pelo menos na área econômica?

Maiorias eventuais são incertas e obrigarão o governo a negociar a cada reforma, e por isso pode sair mais caro, mesmo quando exista uma negociação republicana. Governar com minoria é possível, mas não quando se precisa mudar a Constituição, o que exige maioria qualificada, ou seja, 60% dos votos de cada Casa do Congresso, em duas votações.

O presidente Bolsonaro iniciou seu governo pensando em negociar com o que definiu como “bancadas temáticas”: segurança, saúde, evangélica, corporativas, do agro-negócio, e assim por diante. Não deu certo.

Sem perceber, estava formalizando o lobby parlamentar ilegal, pois ele hoje não está regulamentado. E estimulando reivindicações especificas de cada setor, sem que uns se adequem aos interesses dos outros, e muito menos aos do país.

As “bancadas temáticas”, que perpassam os diversos partidos com representação no Congresso, não influem no seu funcionamento cotidiano, que está subordinado às hierarquias partidárias. São as direções dos partidos que disputam o comando das comissões mais importantes, como a de Constituição e Justiça que está analisando agora a reforma da Previdência, e escolhem seus representantes nelas.

São também os líderes partidários que negociam com os governadores a nível regional, com reflexos na atuação das bancadas estaduais no Congresso. Dessa troca de apoios e interesses é que nascem a aprovação a este ou àquele projeto, e de maneira mais ampla, o apoio ao governo federal, indispensável para governar.

Por isso é importante que o presidente da República receba os líderes e, sobretudo, tenha uma relação de confiança com eles. Ou isso, ou a base será formada a partir de trocas não confiáveis. Imaginar que esta última é a única fórmula de lidar com o Congresso é negar a política como instrumento de ação pública.

Não há dúvida de que foi esse o sistema em vigor nos governos petistas, e Bolsonaro conhece bem as entranhas do Congresso, embora fosse do baixo clero. O presidencialismo de coalizão foi se deteriorando com a adoção desse atalho, e a cada governo foi piorando, até que chegássemos à situação atual.

Para retomarmos a boa pratica política, é preciso que ambos os lados tenham confiança mútua, e isso ainda está para ser provado neste governo. Bolsonaro age com desconfiança e passa esse sentimento para os políticos com quem negocia.

Os políticos sérios, e os há, por sua vez, não aceitam que os interesses regionais que defendem sejam confundidos com barganhas inconfessáveis.

Vitória da democracia
A revogação da censura decretada pelo ministro Alexandre de Moraes ao site O Antagonista e sua revista Crusoé é a vitória da democracia no que ela tem de mais representativo: a pressão da opinião pública, apoiada em sua legítima representante, a imprensa livre.

Nunca é demais repetir que, no sistema democrático, a representação é fundamental, e a legitimidade da representação depende muito da informação. Os jornais nasceram no começo do século XIX, com a Revolução Industrial e a democracia representativa.

Formam parte das instituições da democracia moderna. A “opinião pública” surgiu através principalmente da difusão da imprensa, como maneira de a sociedade civil nascente se contrapor à força do Estado absolutista e legitimar suas reivindicações.

Não é à toa, portanto, que o surgimento da “opinião pública” está ligado à formação do Estado moderno.

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