sexta-feira, 19 de abril de 2019

Ricardo Noblat: Bolsonaro em dia de paz (armada)

- Blog do Noblat / Veja

Quem o criou que o embale
O de ontem ficará marcado como o dia em que o presidente Jair Messias Bolsonaro, depois de 110 dias de governo, fez seu primeiro aceno de paz à imprensa brasileira, até então alvo preferencial de suas críticas nas redes sociais e em entrevistas a emissoras de televisão simpáticas a ele.

De manhã, em São Paulo, ao celebrar a passagem de mais um Dia do Exército, Bolsonaro pregou: “Em que pesem alguns percalços entre nós, precisamos de vocês (profissionais da imprensa) para que a chama da democracia não se apague”. Disse esperar que “pequenas diferenças fiquem para trás”.

Em seguida foi ainda mais explícito: “Imprensa brasileira, estamos juntos. Pode ter certeza que esse namoro, esse braço estendido aqui, estará sempre à disposição de vocês.” O comentário do presidente causou assombro nas redações e até foi recepcionado com elogios por alguns jornalistas acostumados aos seus ataques.

Por sinal, na última terça-feira, a propósito da censura ao site O Antagonista e à revista Crusoé decretada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro já havia dito que “a liberdade de expressão” é um “direito legítimo e inviolável”. Na tarde de ontem, exaltou a revogação da censura pelo ministro Alexandre de Moraes.

Poderia ter ficado por aí. Estava de bom tamanho. Mas Bolsonaro não seria o Bolsonaro que de fato é se, horas mais tarde, não voltasse a empunhar o tacape para dar novas bordoadas na imprensa. Foi quando fez mais uma transmissão ao vivo na conta da presidência da República no Facebook. (No ar, a TV Bolsonaro!)

Então afirmou, sem explicar direito o que queria dizer, que é melhor ter uma imprensa “capengando” do que não ter imprensa. (Capengando quer dizer fraca?) Acusou mais uma vez o que chamou de “nossa querida” Folha de São Paulo de ter mentido em reportagem sobre as despesas do governo com propaganda.

Quanto à maneira como o governo gastará sua verba de publicidade, negou qualquer intenção de perseguir veículos de comunicação, para em seguida advertir: “Mas vamos usar um critério técnico. Não vai ser mais aquela televisão conseguindo 85% da propaganda e os demais 15%. Vai ser técnico.” (Touché, Rede Globo!)

No resto de sua fala de 25 minutos, Bolsonaro ocupou-se em atirar em várias direções. Atirou no ex-presidente Fernando Collor, a quem culpou de ter dado início a “uma verdadeira indústria de demarcação de terras indígenas”. Atirou na Fundação Nacional do Índio (FUNAI), ameaçando demitir sua diretoria.

Atirou na Justiça Federal que suspendeu os efeitos de portaria que havia garantido a concessão de passaporte diplomático ao líder da Igreja Universal do Reino de Deus, Edir Macedo, e à sua mulher. Garantiu que a portaria voltará a valer em breve porque ele tem poder para isso como tiveram seus antecessores.

Para variar, atirou na Lei Rouanet de incentivos fiscais à cultura. Chamou-a de “desgraça” usada pelos governos do PT para cooptar os artistas. “Quantas vezes você não viu figurões defendendo ‘Lula Livre’, ‘Viva Che Guevara’, ‘o socialismo é o que interessa’, em troca da Lei Rouanet?”, perguntou.

Por fim, disse que se depender dele, invasão de terras será tipificado como ato de terrorismo. E defendeu outra vez que donos de imóveis possam se defender atirando em eventuais invasores. “Se o outro lado decidir morrer, será problema dele”, decretou Bolsonaro em um dia de muita paz e de refinado bom humor.

Quem criou Bolsonaro, o original, ou Bolsonaro Paz e Amor, o defensor intransigente da liberdade de expressão, que o compre e embale.

Fake news da toga

A zorra do Supremo
Durante sete dias, o site O Antagonista e a revista eletrônica Crusué ficaram sob censura, acusados pelo ministro Alexandre de Moraes de publicarem uma notícia falsa que teria atingido a honra de José Antonio Dias Toffoli, presidente do Supremo Tribunal Federal, e, por tabela, a imagem dos seus pares e da justiça brasileira.

Site e revista haviam publicado que um documento anexado aos autos da Lava Jato identificara Toffoli como “o amigo do amigo” do pai de Marcelo Odebrecht. O pai, Emílio, fora amigo de Lula. Toffoli, amigo de Lula, era o Advogado Geral da União à época em que a Odebrecht superfaturou contratos com o governo.

A pedido de Toffoli, Alexandre de Moraes investigou o caso e concluiu que não havia documento algum. Daí a decisão de restabelecer no país a censura à imprensa, algo que contraria frontalmente o que está escrito na Constituição. Revogou sua decisão ontem ao descobrir que o documento existia, sim senhor.

Há três dias sabia-se que o documento existe. Pode não ter chegado à Procuradoria Geral da República, mas chegara aos autos da Lava Jato. Foi um juiz federal que mais tarde mandou retirá-lo dos autos. Alexandre de Moraes só se deu por vencido depois de ter sido criticado por alguns dos seus colegas.

Foi mal, muito mal! Dito de outra maneira: se alguém produziu uma fake news foi o ministro. De fato, Alexandre de Moraes passará à história do Supremo como o primeiro ministro, ali, a tomar uma decisão fake. Enquanto durou, ela causou sério prejuízo à reputação de um site e de uma revista. Quem pagará por isso?

O Supremo virou uma zorra e não é de hoje. No ano passado, um juiz federal proibiu a Folha de São Paulo de entrevistar Lula. O ministro Ricardo Lewandowski deu razão ao jornal e permitiu a entrevista. O ministro Luiz Fux derrubou a permissão dada por Lewandowski. Ontem, Toffoli derrubou a de Fux.

Não será surpresa se qualquer dia desses um ministro do Supremo acorde de mau humor e resolva acabar com a Lava Jato a pretexto de que ela instituiu a República dos Procuradores. É o medo, somente o medo da reação das ruas que impediu até agora que isso ou algo parecido acontecesse.

Um anão chamado Toffoli

Apequenou-se e apequenou o tribunal
“Se você publica uma matéria chamando alguém de criminoso, acusando alguém de ter participado de um esquema, e isso é uma inverdade, tem que ser tirado do ar. Simples assim”, decretou o ministro Dias Toffoli, presidente faz menos de um ano do Supremo Tribunal Federal.

Em entrevista ao jornal VALOR, ele disse que só havia acionado seu colega Alexandre de Moraes para investigar o que publicaram o site O Antagonista e a revista eletrônica Crusoé porque, “ao atacar o presidente, estão atacando a instituição” – no caso, a mais alta Corte de Justiça do país.

Poucas horas depois de o jornal ter circulado com a entrevista, Alexandre de Moraes deixou Toffoli pendurado na brocha. Revogou a decisão tomada de censurar o site e a revista. Reconheceu que nada do que ali fora publicado era mentira. Foi amargar em casa o seu açodamento.

De resto, a reportagem do site e da revista não chamou Toffoli de criminoso. Nem o acusou de ter participado de esquema algum. Limitou-se a dizer que ele era “o amigo do amigo do meu pai”, alcunha a Toffoli reservada em e-mails trocados por executivos da construtora Odebrecht.

Antes de publicar a reportagem, o site e a revista procuraram Toffoli para ouvi-lo a respeito. Informado sobre o que se tratava, ele recusou-se a dar explicações. Cobriu-se com a toga a que tem direito. Imaginou que contaria também com a proteção das togas vestidas por seus colegas de tribunal.

Para quem se apresentara como aquele que retiraria o Supremo na boca do palco da política nacional, Toffoli só fez empurrá-lo para além da boca do palco. Apequenou-se – logo ele que jamais fora um gigante. Apequenou o Supremo.

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