sexta-feira, 5 de abril de 2019

Ricardo Noblat: Puro teatro

- Blog do Noblat / Veja

E segue o baile

À peça encenada pelo ministro Paulo Guedes, da Economia, junto com os deputados que o recepcionaram na Câmara para debater a reforma da Previdência, sucedeu-se outra que reuniu o presidente Jair Bolsonaro e os mandachuvas de meia dúzia de partidos. Nos dois casos, um fracasso de bilheteria.

Os mandachuvas entraram no Palácio do Planalto para ouvir Bolsonaro pedir o apoio de seus partidos à aprovação da reforma. Era o que estava previsto no script, e assim foi. Saíram de lá dizendo o que já se sabia que diriam: pelo bem do país, todos são a favor da reforma, mas, porém, contudo, entretanto…

Nenhum garantiu os votos dos seus deputados e senadores à aprovação da reforma. Nem o prefeito de Salvador ACM Neto, presidente do DEM, garantiu que seu partido fechará questão para que todos sejam obrigados a votar a favor. O presidente do PP preferiu sair pelos fundos sem dizer nada.

Geraldo Alckmin, presidente do PSDB, não surpreendeu ninguém. O PSDB é a favor da reforma do ponto de vista fiscal, mas desde que ela respeite a justiça social. O que quis dizer? Sabe-se lá. Ou só se saberá em cima de hora. Para alegria dos seus devotos, Bolsonaro afirmou que não ofereceu cargos em troca de votos.

E segue o baile. Seu provável desfecho será a aprovação de uma reforma incapaz de satisfazer o apetite do mercado. O governo sempre poderá dizer que ganhou e mudar de assunto.

Palavra de Capitão

Promete e cumpre
Jair Bolsonaro é um homem de palavra. Durante a campanha presidencial do ano passado, disse que se fosse eleito o governo passaria a pagar um 13º salário às 14 milhões de famílias beneficiadas pelo programa Bolsa Família.

Ontem à noite, confirmou que pagará. Não importa que a ideia originalmente tenha sido defendida por Paulo Câmara (PSB), governador de Pernambuco e, na época, candidato à reeleição. E que tenha sido encampada depois pelo general Hamilton Mourão.

O Nordeste detém o maior contingente de famílias contempladas pelo programa. Foi ali que Bolsonaro enfrentou as maiores dificuldades para se eleger. Nos oito estados nordestinos, perdeu em todos. Perdeu também no Pará. Ganhou com folga no resto do país.

A palavra do capitão tem se confirmado com o resgate de outras promessas. Prometeu alinhar o país aos Estados Unidos. É o que faz. Seu ministro das Relações Exteriores antecipou que Bolsonaro visitará países árabes, mas só os de confiança dos americanos.

Coerência acima de tudo. Como no caso recente de mais um aniversário do golpe militar de 64. Bolsonaro sempre afirmou que o golpe não foi golpe, nem a ditadura foi ditadura. Mandou, pois, que os militares celebrassem mais um aniversário da revolução de 64.

Em outro esforço inaudito de coerência, mandou também que seu ministro das Relações Exteriores telegrafasse à Organização das Nações Unidas (ONU) para dizer que não houve golpe por aqui. Tampouco, é claro, ditadura. Espera que a ONU se corrija.

Em visita a Israel, Bolsonaro foi aprovado com louvor na mais dura prova a que submeteu sua convicção de que a esquerda pariu o nazismo. Visitou o Museu do Holocausto. Ali se ensina que o nazismo foi invenção da direita. Nem por isso mudou de opinião.

De Bolsonaro se poderá dizer qualquer coisa, menos que tenha traído sua palavra ou seu pensamento. Não há chance de ele decepcionar seus devotos nem seus adversários.

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