quarta-feira, 3 de abril de 2019

Rosângela Bittar: Os formuladores

- Valor Econômico

República de Salamanca ou "Amigos do Brasil"

Todos são integrantes da elite do funcionalismo público; todos ocuparam cargos no circuito de ligação entre a Controladoria-Geral da União (CGU), a Advocacia-Geral da União (AGU), o Ministério da Justiça, a Secretaria Jurídica da Casa Civil da Presidência e a assessoria legislativa do Congresso. São da mesma geração, com idades entre 41 e 46 anos, e filhos também da mesma idade, frequentando a mesma escola. O grupo de cinco autoridades do governo Jair Bolsonaro, denominado "Amigos do Brasil" no WhatsApp, combina um encontro por semana, geralmente um almoço, e usa a rede para trocar informações em assuntos comuns às áreas pelas quais ficaram responsáveis.

Tarcísio Gomes de Freitas, 43 anos, ministro da Infraestrutura, é um prodígio em todos os lugares por onde passou. No Instituto Militar de Engenharia (IME) obteve a maior nota média da instituição para o curso de engenharia civil até hoje, proeza que é citada por todo o grupo com admiração. Capitão do Exército, atuou como engenheiro no Haiti. Já fora dos quartéis, trabalhou na CGU e no Dnit. Em 2014, passou em primeiro lugar no concurso para consultor legislativo da Câmara, onde o governo Michel Temer foi buscá-lo, emprestado, para tocar o Programa de Parcerias de Investimentos (PPI) e conduzir o diálogo com investidores.

Wagner de Campos Rosário, mineiro de Juiz de Fora, 42 anos, foi capitão do Exército com formação na Academia Militar de Agulhas Negras (RJ). Tendia a ingressar na carreira de educação física, como professor, quando mudou de rota e ingressou na carreira de auditor federal de finanças e controle. Na CGU, começou a aprofundar-se no assunto. Fez mestrado em Corrupção e Estado de Direito na Universidade de Salamanca. Pouco depois de voltar ao Brasil, tornou-se secretário-executivo da Controladoria, depois ministro interino da CGU com a saída de Torquato Jardim para o Ministério da Justiça e mais tarde ministro efetivado. Foi o único ministro de Temer convidado por Bolsonaro a permanecer no cargo.

O advogado André Luiz de Almeida Mendonça, 46 anos, nascido em Santos, era do corpo técnico da AGU, onde ingressou como advogado em 2000. Desde 2016, atuava como assessor especial do ministro Wagner Rosário na CGU, e já esteve também na equipe do ex-ministro Torquato Jardim no Ministério da Justiça.

Atuação destacada em trabalhos voltados ao combate à corrupção, Mendonça, em 2008, passou a dirigir o Departamento de Patrimônio Público e Probidade Administrativa, nomeado pelo então advogado-geral da União, Dias Toffoli, hoje presidente do Supremo Tribunal Federal. Também ao falar dele, os amigos enfatizam a excelência dos trabalhos acadêmicos premiados e elevadas notas de avaliação. Também passou pela Universidade que formou outros integrantes dessa República de Salamanca já formada em postos-chave do governo Bolsonaro.

Aos 41 anos, o líder do governo na Câmara, Major Vitor Hugo (PSL-GO), está em seu primeiro mandato. Mestre em Operações Militares pela Escola de Aperfeiçoamento de Oficiais do Exército e bacharel em Ciências Militares pela Academia Militar das Agulhas Negras, Vitor Hugo trabalhava, antes de ser eleito, na Consultoria Legislativa da Câmara, na área de segurança pública e defesa nacional. O parlamentar do PSL foi aluno dos ministros Augusto Heleno (Gabinete de Segurança Institucional) e Carlos Alberto Santos Cruz (Governo), na escola de cadetes, e no Parlamento atuou ao lado de Tarcisio, também consultor. Entre 2008 e 2009, Major Vitor Hugo foi observador militar da Operação das Nações Unidas na Costa do Marfim (Onuci).

Jorge Antonio de Oliveira Francisco, 44 anos, está atualmente como subchefe para Assuntos Jurídicos (SAJ), sigla que todos do grupo citam com grande desenvoltura, como se todo o mundo soubesse do que se trata: é a Secretaria de Assuntos Jurídicos da Casa Civil da Presidência. É o único que tinha ligações anteriores com a família Bolsonaro, foi chefe de gabinete do deputado Eduardo e atuou no gabinete parlamentar do presidente. Advogado e policial militar aposentado, a função de Jorge é assessorar o ministro da Casa Civil em questões de natureza jurídica, verificar, previamente, a constitucionalidade e legalidade dos atos presidenciais, estabelecer articulação com os ministérios e supervisionar a elaboração de projetos e atos normativos de iniciativa do Poder Executivo.

Tarcísio (ministro da Infraestrutura), Wagner Rosário (ministro-chefe da CGU), André Mendonça (ministro-chefe da AGU), Jorge (SAJ) e Vitor Hugo (líder do governo na Câmara), estão sempre juntos. Com o governo dando-se a conhecer melhor, agora, descobre-se, três meses depois de iniciada a atual administração, que são eles as cabeças pensantes de um debate que se imaginava ausente no time de Jair Bolsonaro.

São formuladores, fazem planejamento estratégico não só na sua área específica, mas discutem a conjuntura política e econômica, debatem os problemas, identificam impasses, fecham uma corrente sólida em busca da eficiência.

O encontro desta semana foi na segunda-feira, no restaurante Dom Francisco da 402 sul, numa saleta reservada onde há apenas uma mesa de seis lugares e a porta de correr que separa o espaço do salão do principal e lhes garante a privacidade. O maitre e o garçom são chamados por campanhia. Ali, e na maioria dos almoços, ninguém os interrompe, incomoda ou se autoconvida a participar, mesmo que muitos sejam conhecidos e o governo se encontre com frequência em almoços e jantares.

Fazem reuniões de avaliação nesses almoços. Às vezes, as atividades de um se imbricam às de outro, como ocorreu na recente onda de privatizações coordenadas pelo ministro Tarcísio que era informado, em tempo real, pelo advogado-geral da União, sobre ações de suspensão e liminares que precisavam ser cassadas.

Tarcísio, Jorge, Wagner e Vitor Hugo são servidores do alto escalão, passaram por carreiras de Estado que os empurrou aos cargos políticos.

Nos almoços e reuniões do grupo Amigos do Brasil, fala-se de tudo. No último, analisaram as críticas ao governo e as relações do Executivo com o Legislativo. A formulação política é natural na conversa, bem como a constatação de que devem se envolver nas questões difíceis do governo, sem medo. Debatem também os velhos e reconhecidos problemas de comunicação: se não contarem o que estão fazendo, como estão pensando o Brasil, qual é o rumo e o plano, quem adivinhará?

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