quinta-feira, 23 de maio de 2019

Fora do alvo: Editorial / Folha de S. Paulo

Diante de pressões, Bolsonaro atenua decreto que ampliou porte de armas

Depois de lançar um decreto descabido com vistas a multiplicar a comercialização e o porte de armas de fogo no país, o presidente Jair Bolsonaro (PSL) viu-se constrangido a recuar ao menos em alguns dos aspectos mais estarrecedores da versão inicial do texto.

Pressões de setores do Judiciário e do Legislativo, de governadores, de entidades da sociedade civil e também de representantes das forças de segurança parecem ter alertado o mandatário para a perspectiva de a medida ser derrubada por ferir princípios legais.

Lembre-se, a propósito, que o Planalto já teve de revogar um outro decreto infeliz, assinado pelo vice Hamilton Mourão quando ocupava interinamente a cadeira presidencial, no mês de janeiro.

Numa canetada, o general tentou ampliar para funcionários comissionados e de segundo escalão a prerrogativa de impor sigilo a documentos públicos. Na ocasião, a Câmara dos Deputados aprovou texto para reverter a norma.

Agora, após testar os limites que se impõem ao exercício da Presidência, Bolsonaro deu-se conta de que precisava de outro rumo.

A principal mudança para evitar a ruína do édito das armas, que corresponde a uma promessa de campanha, foi reconsiderar a escandalosa autorização para que cidadãos quaisquer pudessem portar espingardas, carabinas e fuzis.

Aos fabricantes restará, contudo, o mercado rural, uma vez que os equipamentos ainda poderão, inexplicavelmente, ser adquiridos e portados por proprietários que se dediquem “à exploração agrícola, pecuária, extrativa vegetal, florestal ou agroindustrial”.

Modificaram-se também outras disposições estapafúrdias, como a permissão de prática de tiro por menores de 18 anos. Não que tenha sido vetada, mas ficaram estabelecidas a idade mínima de 14 anos —também altamente questionável, diga-se— e a exigência de autorização dos dois pais.

O episódio produziu constrangimento para o ministro da área mais afeita ao tema —Sergio Moro, da Justiça, cujo conselho, tudo indica, não foi levado em consideração no decreto original.

Nesta quarta-feira (22), em entrevista à Rádio Bandeirantes, Moro se pronunciou de modo um tanto lacônico sobre a nova versão do texto, que em sua visão atende às críticas e “restringe um pouco” a flexibilização do porte.

Na realidade, restringe muito menos do que deveria. Tendo em vista as reações institucionais e as evidências de que o mandatário recorreu a um expediente para contrariar o espírito do Estatuto do Desarmamento, mais recomendável seria a revogação integral.

Haverá tempo para um debate legislativo a respeito da proposta, que se choca com as políticas mais sensatas de segurança pública.

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