terça-feira, 28 de maio de 2019

Joel Pinheiro da Fonseca: O que eu vi nas ruas

- Folha de S. Paulo

Só se desfazendo de justificativas fáceis enterraremos a tentação autoritária

O grande risco para o governo Bolsonaro nos protestos que ocorreram no domingo (26) em diversas cidades é que fossem um fiasco. Sua estratégia de não dialogar e nem fazer pontes com nenhuma instituição e confiar apenas na pressão popular direta para impor sua vontade depende da capacidade de colocar pessoas na rua continuamente.

Pelo menos no Rio e em São Paulo, os protestos não foram um fiasco. Fui à avenida Paulista (apenas como observador!) e pude constatar em primeira mão que a rua estava cheia de gente. Os manifestantes não passaram vergonha.

Dito isso, as fotos aéreas e estimativas oficiais indicam que os protestos do dia 15 de maio, contra o governo, atraíram mais pessoas, assim como as marchas pelo “Ele Sim” em apoio ao então candidato Bolsonaro no ano passado. Ou seja: Bolsonaro ainda conta com milhares de pessoas dispostas a ir às ruas para defendê-lo, mas o número delas vem caindo.

Não se viam pedidos de fechar o Congresso ou o STF na avenida (talvez um ou outro isolado). Pediam-se reforma da Previdência, o pacote de Sergio Moro e a MP 870.

Curiosamente, os discursos dos carros de som não faziam referência quase nenhuma ao conteúdo dessas medidas. Elas funcionavam apenas como palavras de ordem. O foco dos discursos estava quase todo na denúncia dos supostos inimigos do governo: Congresso, centrão, STF, imprensa, universidades.

Ao que tudo indica, os protestos de rua, embora tenham evitado o fiasco, não foram grandes o bastante para amedrontar o Congresso. Se pensarmos que eles tendem a diminuir conforme o tempo passe e as fragilidades do governo se tornem mais evidentes, eles podem até ter o efeito contrário. Fora das redes sociais, o bolsonarismo não mete tanto medo assim.

O discurso que dominou as ruas não é tão diferente dos lugares-comuns que sempre ouvimos e repetimos, e que considerávamos verdades evidentes: o Congresso é corrupto, a classe política é o grande atraso do país, a imprensa está a serviço dos poderosos. Por muito tempo, essas crenças justificavam nosso desinteresse pela política. A coisa parecia tão suja que nem adiantava tentar, o jeito era se acostumar e levar a própria vida.

Desde junho de 2013, nos interessamos por política e queremos mudá-la. Também fui às ruas naqueles dias e partilhei do clima de esperança que preenchia o ar e nos levava a discutir propostas para o Brasil com estranhos na rua igualmente motivados. A diferença é que agora os velhos lugares-comuns, as simplificações e os bodes expiatórios que serviam para nos consolar diante dos descaminhos do país, se tornam operantes e, por isso, perigosos.

Há bons e maus políticos, assim como em qualquer profissão. O Congresso não é mais corrupto que o governo, e ambos são igualmente representantes dos interesses e crenças de milhões de brasileiros. Sequer é possível afirmar que o clã Bolsonaro, que surfa no discurso anticorrupção, seja mais ético ou mais competente que o parlamentar médio do centrão.

A negociação de interesses —desde que visando diferentes setores da população, e não os próprios partidos e parlamentares— não é um desvio e sim um dos principais motivos pelos quais temos um Congresso e pelo qual devemos mantê-lo.

Demorará um tempo até que esses fatos básicos sejam aprendidos pela maioria da população. Será doloroso se desfazer de justificativas fáceis e exteriores para os fracassos do país; mas só assim enterraremos de vez a tentação autoritária que sempre nos ronda.

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