terça-feira, 14 de maio de 2019

Melhor é o governo recuar no decreto das armas: Editorial / O Globo

Por serem inconstitucionais, as medidas de liberalização deveriam ser retiradas

A assinatura, pelo presidente, do segundo decreto para ampliar a posse e o porte de armas mereceu cerimônia festiva no Planalto, com a bancada da bala fazendo a coreografia da imitação de um revólver com a mão, lançada pelo candidato Jair Bolsonaro na campanha.

Mas já era possível vislumbrar que a festa poderia não durar muito. A amplitude da abertura para o porte de armas, que no projeto enviado à análise do ministro da Justiça, Sergio Moro, abrangia nove categorias, foi alargada por legisladores do Planalto para 19 — mesmo antes de a Justiça enviar de volta seu parecer. O presidente assinou o decreto sem ter lido a análise de Moro.

Quer dizer, o Palácio já havia tomado a decisão política inarredável de escancarar as portas para o armamentismo. Mas já no final da terça-feira, dia da solenidade, juristas identificavam inconstitucionalidades no decreto.

O fato de o presidente, numa penada, alterar lei que saiu do Congresso — no caso, o Estatuto do Desarmamento — não resistiria a uma análise mínima do ponto de vista constitucional.

O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), alertou, na sexta, para o problema, tendo o Senado feito o mesmo. No texto da análise feita por esta Casa, é dito que o governo “extrapolou” seus poderes. Bolsonaro chegou a dizer que o decreto estava no “limite da lei”. Na verdade, foi além.

O partido Rede Sustentabilidade, por sua vez, protocolou no Supremo ação contra o decreto, para cuja relatoria foi sorteada a ministra Rosa Weber, que concedeu prazo para o governo responder à reclamação.

Sensato, na mesma sexta, Bolsonaro, em viagem ao Sul, declarou que, se o decreto for inconstitucional, “tem de deixar de existir”. Que isto seja feito logo.

O que menos o Brasil precisa agora é de um choque entre poderes — Executivo e Legislativo — em torno deste decreto flagrantemente ilegal, e até mesmo contrário à opinião pública, segundo pesquisas que mostram uma rejeição de 60% à liberação de armas.

Em nada ajudará à atmosfera política, agora que a reforma da Previdência já tramita na Câmara, se o Congresso for obrigado a derrubar o decreto. E tem poderes para tal.

Caso o governo Bolsonaro insista no armamentismo, que o faça por meio de projetos de lei, o que dará oportunidade de o Congresso organizar um debate que já vem de anos, sem que os defensores da liberalização de armas consigam reunir argumentos sólidos na defesa de suas teses, em um país com mais de 50 mil homicídios por ano. Estatística de guerra.

Se a questão for encaminhada ao Congresso, pelo menos poderá ser possível uma discussão mais ampla e técnica, sem a contaminação de ideologias que costumam embalar o debate sobre armas, e não apenas no Brasil.

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