sexta-feira, 24 de maio de 2019

Mercados reavaliam disputa EUA-China e voltam a cair: Editorial / Valor Econômico

Os mercados americanos voltaram a um período de quedas, depois de um terrível dezembro de perdas e de recuperação significativa no ano. Os investidores neste período acreditaram que os Estados Unidos e a China chegariam a um acordo para encerrar a guerra de tarifas e julgaram estar certos diante do otimismo de Trump ao adiar o prazo inicial (março) para um entendimento. O presidente americano mudou de ideia e aumentou de 10% para 25% as tarifas sobre US$ 200 bilhões em importações provenientes da China. As retaliações americanas, porém, mudaram de qualidade após Trump proibir empresas americanas de negociar sem autorização oficial com a Huawei, a gigante de equipamentos e celulares que tem papel global na implantação da tecnologia 5G. A Hikvision, de equipamentos de vigilância, deve ser o novo alvo. As empresas de tecnologia puxaram as baixas, ao lado das ações de energia, com a queda de 5% da cotação do petróleo tipo Brent.

Pode estar em curso uma reavaliação dos preços dos ativos diante de um agravamento das relações EUA-China e também da frustração da perspectiva, antes segura, de que o Federal Reserve reduziria a taxa de juros a curto prazo. Os mercados colocam ambas no contexto de uma desaceleração global que já estava a caminho e que tende a se aprofundar se as duas maiores economias do mundo continuarem a adotar medidas protecionistas.

O norte da bússola do Fed tem oscilado bastante nos últimos meses. As preocupações com a desaceleração global e com a guerra tarifária de Trump exerceram um papel importante para a interrupção do ciclo de aperto monetário em dezembro e nos sinais de paciência emitidos ao longo do primeiro trimestre pelo presidente do Fed, Jerome Powell. As atas da reunião de maio indicaram nova mudança de ênfase, e a desaceleração global e guerra tarifária mal aparecem no radar do banco.

O Fed vai na contramão dos mercados. A desaceleração global, visível nos indicadores do início do ano, mostrou-se menos intensa recentemente, na visão do banco, que adota um tom otimista em relação ao crescimento americano - com alguma perda de ritmo no curto prazo e retomada mais intensa à frente. "A projeção para o crescimento do PIB a médio prazo foi revisada para cima", registra a ata, "basicamente pelos juros mais baixos, pela suave trajetória altista para as ações e um apreciação menor da taxa real do dólar".

A primeira condição está dada, as outras duas não - elas estão agindo de fato na direção oposta. A S&P 500 caiu 4,1% no mês e a Nasdaq Composite, 6,2%. A valorização do dólar tem feito estrago entre as moedas emergentes, em especial os pesos colombiano e chileno, o real e o renminbi chinês. Em uma das visões centrais da ata, o Fed aponta que "o risco da inflação subir mais do que o esperado em uma economia que ainda opera notavelmente acima de seu potencial por um longo período é contrabalançado pelos riscos na direção contrária se o comportamento suave dos preços ao consumidor persistir...e pela possibilidade de o dólar se apreciar se o cenário externo se deteriorar".

O perigo inflacionário que a guerra comercial traria não se materializou até agora. O núcleo dos gastos pessoais de consumo, medida preferida pelo Federal Reserve para avaliar o comportamento dos preços, foi de 1,6% em março, distante da meta de inflação de 2%. Isto é, ele segue a média anual observada desde 2009, de 1,56%. As medidas de inflação dez anos à frente indicam 1,81%.

Com todo barulho da guerra comercial, as pressões anti-inflacionárias ainda levam a melhor. Elas estão quebrando provisoriamente a correlação entre preços futuros do petróleo e expectativas de inflação (Steve Englander, do Standard Chartered, FT, 22 de maio). As cotações estão em queda mesmo após ataques a navios-tanque da Arábia Saudita, contenção da oferta da Opep e queda de 2,4 milhões de barris por dia na oferta de Irã e Venezuela.

O Fed se mantém paciente diante dos juros, mas as condições financeiras estão se afrouxando de qualquer forma. Antes da queda das bolsas, o Goldman Sachs calcula que os juros caíram 60 pontos bases do Tesouro. Os rendimentos dos treasuries caíram mais - o de 10 anos para 2,29%, após ultrapassar 3% em dezembro. Mesmo com o Fed parado, a valorização do dólar não é bom sinal para uma economia estagnada como a brasileira. Por outro lado esta condição possibilita uma folga para acomodar eventuais efeitos da passagem para os preços da depreciação do real.

Nenhum comentário: