domingo, 26 de maio de 2019

Opinião do dia: Marco Aurélio Nogueira*

A hostilidade como procedimento tem mantido o governo em campanha, mas não o faz governar. Cria fumaça e ruído, produz problemas sucessivos e nenhuma solução, destrói sem construir, como se seu programa fosse mais negativo do que positivo. Vai assim demolindo pontes, envenenando áreas, erodindo a sociabilidade, criando desertos por onde passa. Oferece em troca tão somente a promessa redentora do “mito”, a cavalo de um Deus confuso e vingativo.

O resultado é que o componente propriamente bolsonarista do governo continua do mesmo tamanho, se não menor. Permanece heterogêneo e sem coesão, sem estrutura organizacional, dependente de bots e ativistas digitais, falando consigo próprio. Mantém-se, na verdade, como uma seita, que tem seus ritos e símbolos, seus devotos, sua máquina de descobrir traidores e inimigos a cada dia.

No caso brasileiro, o horror e o espanto crescem na opinião pública. O governo desfila sua indigência e nada entrega, a crise econômica se aprofunda, a ético-política se prolonga. O presidente não percebe que sua atuação corrói a República ao esvaziar o principal mecanismo que a dignifica, a atividade política. Ou estaria ele querendo precisamente isso?

*Professor titular de Teoria Política e coordenador do núcleo de estudos e análises internacionais da Unesp. “Fumaça, ruído e desertos”, O Estado de S. Paulo, 25/5/2019.

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