terça-feira, 14 de maio de 2019

*Robinson Borges: Escolhas humanas, demasiado humanas

- Valor Econômico

"Nem todos somos Einsteins", afirma Richard Thaler

Quando recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 2017, Richard Thaler disse que pretendia gastar seu US$ 1,1 milhão da maneira mais irracional possível. A blague tinha como destinatários os economistas ortodoxos com quem travou debates inflamados na Universidade de Chicago, o templo liberal onde é professor. Para muitos de seus colegas que abraçaram a teoria clássica, as pessoas são racionais, tomam decisões com base nas informações disponíveis e escolhem a melhor opção.

A economia comportamental que Thaler ajudou a fundar, porém, tem mostrado que as decisões nem sempre são guiadas pela razão. Na verdade, é bem comum as pessoas fazerem escolhas ruins. "Nem todos somos Einsteins", diz o professor, ao comentar a crise da macroeconomia iniciada com a Grande Recessão de 2008.

O economista menciona uma série de motivos para os impasses teóricos, mas uma das questões centrais é o que o ex-ministro da Fazenda Delfim Netto chama de "inveja da física": "Os modelos matemáticos são incapazes de explicar o comportamento de todos", afirma Thaler em conversa com esta coluna.

Hábitos, preconceitos, incentivos e emoções também pesam nas decisões, às vezes até mais do que a lógica. A premissa de que os humanos são complexos e não cabem em uma equação ajudou a abalar o cerne da economia tradicional: o homo economicusou "econos", como o professor prefere chamá-los.

Em um momento em que as ciências humanas sofrem com déficit de prestígio, o economista de Chicago defende a valorização de disciplinas das humanidades para o desenho de uma "arquitetura de escolha", a forma como se organiza o contexto em que as pessoas tomam suas decisões.

A proposta de Thaler, que lança dois livros no Brasil - "Misbehaving" (Intrínseca) e "Nudge" (Companhia das Letras) -, é aproximar a economia da vida como ela é. A ideia é substituir suposições da teoria clássica por "modelos mais realistas" de comportamento humano, em que "nos vemos às voltas com problemas complicados e fazemos escolhas que são previsivelmente diferentes das ideais", explica.

Não é preciso ir longe para identificar pessoas que compram ações ou imóveis quando os preços estão lá em cima, acreditando que vão continuar assim por mais tempo. Como o próprio Thaler disse no filme "A Grande Aposta", indicado ao Oscar e centrado na dramatização da crise de 2008: "No basquete, quando um jogador faz muitas cestas seguidas, as pessoas acham que ele vai continuar acertando. Acham que o que está acontecendo agora vai continuar a ocorrer no futuro. Quando o mercado está subindo, as pessoas acreditam que nunca vai cair".

De fato, muitas escolhas econômicas são humanas, demasiado humanas. Algumas pessoas optam, por exemplo, por não poupar o suficiente para a aposentadoria, pois querem o benefício agora, não depois. Há ainda os que se recusam a reduzir suas perdas em investimentos em queda livre, só porque não assumem os erros que cometem.

Ou seja, a racionalidade limitada, a falta de autocontrole e as influências sociais, observa Thaler, ajudam a compreender as turbulências na economia.

Economistas ortodoxos chegaram a reconhecer que os modelos econômicos erraram quando eles mais precisaram deles, depois da quebra do Lehman Brothers. Em sua análise da Grande Recessão, o ex-presidente do Federal Reserve, o banco central dos Estados Unidos, Alan Greenspan admitiu que o mapa desenhado pelos modelos é falho e não representa com fidelidade o território, que pode ser afetado por variáveis não previstas.

Para Thaler, que foi conselheiro do ex-presidente americano Barack Obama, a crise de 2008 evidenciou violações das expectativas racionais, uma das premissas da teoria clássica. O Fed, por exemplo, não teria se preocupado com a efervescência dos mercados imobiliários em certas regiões do Cinturão do Sol, no Sul e no Sudoeste dos Estados Unidos.

Além disso, os credores foram ingênuos e/ou gananciosos ao emprestar para possíveis novos donos de propriedades que não seriam capazes de pagar se os preços dos imóveis deixassem de subir. "Aqueles que estavam pegando créditos para comprar mais de uma propriedade, acreditavam que os preços imobiliários apenas podiam subir", acrescenta o economista.

Thaler integrou também a equipe de insights comportamentais no governo do ex-primeiro-ministro britânico David Cameron. A missão do grupo era, por meio de estímulos ("nudges"), ajudar no desenvolvimento de políticas públicas que mitigassem as decisões ruins.

Com o envelhecimento da população e o grave problema de financiamento previdenciário, o programa Poupe Mais Amanhã, modelo desenvolvido por Thaler, pode servir de fonte para discussão no Brasil. Se há um corte no benefício dos aposentados, por exemplo, é preciso poupar para complementar a diferença no futuro. Sua ideia é aumentar, de maneira gradual, a taxa de poupança ao longo do tempo. Considerando-se que a taxa suba um ponto percentual ao ano no longo prazo, haverá um incremento na receita e, provavelmente, sem protestos da população. Isso porque o aumento das contribuições seria pequeno, e muitos nem o perceberiam.

Muita gente critica os "nudges", especialmente quando implementados como políticas públicas. Para eles, o melhor seria maximizar as opções e não interferir no direito de escolhas dos cidadãos. Thaler recorre ao que chama de "paternalismo libertário" ("que não é de esquerda nem de direita") para explicar sua tese: as pessoas continuam livres para escolher, mas com políticas que as ajudam a tomar decisões melhores.

A economia comportamental tem ganho terreno e reconhecimento, muitas vezes como aliada da teoria clássica. Vale notar que Robert Shiller e Daniel Kahneman, outros expoentes da área, já haviam ganho o Nobel em 2013 e 2002, respectivamente. Quando a Academia sueca divulgou a escolha de Richard Thaler, alegou que o professor humaniza a economia. A isso dá o nome de ciência.

*Robinson Borges é editor de Cultura.

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